Rewind. Mudam-se  os tempos, mudam-se os discursos

Rewind. Mudam-se os tempos, mudam-se os discursos


Passos rejeitou governo a três durante a campanha, mas convidou António Costa para uma coligação alargada. Carlos César acusou os comunistas e o BE de “irresponsabilidade”, mas negociou com eles um acordo. Jerónimo fartou-se de criticar o PS e garantiu que não se submetia à política da União Europeia, mas prepara-se para assinar um acordo com os socialistas.…


Coligação PSD/CDS

Governo com PSD/CDS não funcionaria
O convite de Passos a António Costa seguiu no último domingo por carta: “Se o Partido Socialista prefere discutir estas matérias enquanto futuro membro de uma coligação de governo mais alargada, que inclua, além do PSD e do CDS, o próprio PS, então que o diga também com clareza, já que nunca excluímos essa possibilidade, como é sabido.” Nunca? Não é bem assim.

Passos foi confrontado com a possibilidade de uma aliança com o PS numa entrevista ao “Sol” em Maio e referiu inúmeros entraves, porque não lhe parecia que um governo com “PSD, CDS e PS pudesse sequer funcionar”. Nessa altura Passos argumentava que “o programa económico é diferente, o modelo económico é diferente, a forma como o PS vem colocando o problema político e económico não é conciliável quer com as regras europeias quer com o que tem sido o esforço de modernização e de reforma estrutural da sociedade portuguesa”. Dois meses depois, Passos era ainda mais claro: “Dizemos não ao bloco central.”

Nas jornadas parlamentares, o presidente do PSD explicou que “um governo dessa natureza era uma traição ao eleitorado”. Passos traçou vários cenários ao longo da campanha e não lhe escapou a possibilidade de uma aliança de esquerda. Foi no final de Setembro que o líder do PSD alertou para a hipótese de Costa se aliar “aos comunistas e aos bloquistas” para formar “um governo extremista, da esquerda mais radical que existe em Portugal”. Também Paulo Portas alertou que “uma instabilidade dessa natureza daria cabo da confiança externa”.

A necessidade de um acordo para viabilizar o governo também levou a coligação a olhar para as propostas do PS com outros olhos. Passos manifestou-se disponível para acolher várias propostas do programa socialista. O mesmo programa que classificou como uma “aventura” que trilhava o “caminho que nos conduziu ao resgate”. Portas também avisou que as promessas dos socialistas levariam ao regresso da troika.
 

PS

“Votar na extrema-esquerda é votar na irresponsabilidade"

Cavaco pediu um entendimento entre a coligação e o PS, mas durante a campanha António Costa deixou pouco espaço para embarcar nessa estratégia. “Não há nenhuma possibilidade de entendimento entre o PS e a coligação de direita.” Os socialistas não fizeram a vontade ao PR e Costa chegou mesmo a ameaçar não viabilizar um Orçamento da coligação. “É evidente que não viabilizaremos, nem há acordo possível entre o PS e a coligação de direita. A última coisa que fazia sentido é que o voto do PS, que é um voto das pessoas que querem mudar de política, servisse para manter esta política.” A garantia foi dada em entrevista à Antena 1 no dia 18 de Setembro.

A 4 de Outubro, na noite das eleições, Costa abriu a porta a outros caminhos: “Ninguém conte connosco para formar uma maioria do contra.” O plano B era viabilizar o Orçamento da coligação se falhassem as negociações à esquerda. OPS não pode, porém, ser acusado de não ter avisado que estava disponível para se sentar à mesa com os partidos à sua esquerda. Assim que chegou à liderança, Costa garantiu que não os iria excluir. “A direita facilmente se junta, a esquerda facilmente se divide.

Aquilo que temos de encontrar é o ponto de equilíbrio respeitando as diferenças que existem entre nós, que vêm muito de trás e seguirão muito para diante, e encontrar a capacidade de fazer algo em comum”, afirmou, a 5 de Outubro de 2014, no congresso do Livre. A tentativa de fazer algo em comum surgiu um ano depois, após as legislativas, mas o líder socialista foi cauteloso durante a campanha. No debate televisivo com o BE, Catarina Martins desafiou o PS para um entendimento, mas ficou sem resposta. Apesar da insistência, Costa não deu troco ao desafio lançado pela líder do BE até ao dia das eleições.

A disponibilidade manifestada por Catarina Martins não impediu Carlos César, um dos socialistas que se sentaram à mesa com o PCP e o BE para negociar um acordo, de acusar os partidos à esquerda do PS de “demagogia” e “radicalismo”. “Votar na coligação é pedir mais austeridade. Votar na extrema--esquerda é pedir mais irresponsabilidade”, disse o presidente do PS, a três dias das eleições, alertando que “a Catarina e o Jerónimo são boas pessoas, mas votar no Jerónimo ou na Catarina é como votar no Pedro e no Paulo”.

 

PCP

"Tenham paciência, connosco não"

“Porque não nos entendemos com eles?” “Eles” são os socialistas e a pergunta foi feita por Jerónimo de Sousa na campanha eleitoral. A resposta não fazia prever um acordo entre os partidos de esquerda:“Queriam que a CDU aceitasse o ataque aos direitos dos trabalhadores? À Segurança Social? À economia? A submissão à UE, a fechar os olhos à dívida e ao serviço da dívida? Tenham paciência, connosco não, que temos uma só cara e uma só palavra.” O secretário-geral do PS garantiu, nesse comício, no Auditório Eunice Muñoz, em Oeiras, que o PCP não encontra no programa do PS “uma vontade de mudança”. Com o objectivo de combater o voto útil, Jerónimo passou boa parte da campanha a demarcar-se do PS. “Nem é carne nem é peixe. Mais parece um caranguejo moído.” 

A acusação mais frequente era a de que o PS estava colado às políticas de direita e à troika. “Continuando amarrado à política da União Europeu, o PS não pode querer sol na eira e chuva no nabal, não pode afirmar-se como uma política de esquerda, de ruptura e de mudança, porque está comprometido com esta política e por isso anda numa indefinição. Nós temos uma proposta de ruptura com esta política.” Jerónimo chegou mesmo a acusar o PS de não se distinguir da coligação. “As semelhanças são muito mais que as diferenças”, disse o líder comunista no final de Setembro em Santa Maria da Feira, garantindo que, “por tudo aquilo que fez e não fez, o PS não tem moral nenhuma para estar a apelar ao voto dos portugueses”.

Ao mesmo tempo que criticava duramente o programa de Costa, Jerónimo remetia para os socialistas a possibilidade de uma aliança. “O PS sempre quis governar sozinho ou colar-se à direita. Deve ser agora o PS a questionar se quer continuar esse caminho livre ou ter uma opção de identificação da sua sigla com a sua política”, disse, em meados de Setembro, o secretário--geral do PCP, que ficará na história por assinar um acordo de governo com o PS.