No filme “Regresso ao Futuro 2”, Marty McFly vai até 21 de Outubro de 2015 para evitar que os filhos se transformem em pessoas pouco agradáveis. A viagem, de 30 anos, transformou-se numa das mais famosas visões futuristas da cultura pop e foi fundamental para tornar clássica a trilogia realizada por Robert Zemeckis. Ténis que se apertam sozinhos, casacos com auto-secagem, “O Tubarão 19” e skates sem rodas. Nunca mais o cinema foi o mesmo – nem nós. Hoje é 21 de Outubro de 2015, o dia de todos os fãs de “Regresso ao Futuro”. Talvez o maior seja Bob Gale, o homem que escreveu os três filmes (de 1985, 1989 e 1990, respectivamente) com Zemeckis, que já andou num hoverboard e que nos assegura: nunca ninguém fará um remake de nenhum destes filmes. Falámos com o argumentista e descobrimos de onde vêm as 88 milhas por hora de que o DeLorean precisa atingir para viajar no tempo.
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Foi ideia sua a de 21 de Outubro de 2015?
Foi, sim. Sabíamos que era preciso andar 30 anos para a frente, porque no fim do primeiro filme Doc Brown diz “30 anos, é um bonito número redondo” quando diz a Marty que vai até ao futuro. Assim sendo, a questão do ano estava resolvida. Quanto ao resto… Bom, a parte 2 de “Regresso ao Futuro” envolve apostas em eventos desportivos. Para que toda a gente percebesse o nível de distanciamento a que estávamos, naquele futuro imaginado pusemos os Chicago Cubs a ganhar a World Series de Baseball. Isto tem tudo a ver com um futuro alternativo e meio disfuncional, porque aqui nos EUA todos sabemos que os Cubs são os eternos perdedores. Curioso é que este ano, 2015, até lhes está a correr bem. Isto, de facto, é muito estranho. Foi o evento mais absurdo de que me lembrei na altura. E em 1989, quando fizemos o filme, de acordo com o formato da World Series, a competição podia acabar a 21 de Outubro. Daí ter escolhido esse dia.
Acreditava que o futuro podia ser como o que está no filme?
Algumas coisas esperávamos acertar com alguma precisão, na verdade. Outras eram simplesmente loucas, totalmente loucas. Há uma questão importante aqui: eu e o Bob nunca quisemos prever o futuro.
O que queríamos era fazer entretenimento e usámos o primeiro filme como rampa de lançamento para tudo o que acontece no segundo e no terceiro. Por exemplo, no primeiro filme há diferentes cenas à mesa, cenas de refeição em que as personagens estão a ver televisão. Quisemos que isso se repetisse em tempos diferentes e acabámos por ver Marty Júnior e Marlene a ver televisão nos óculos. Bom, acontece que a Google fez o Google Glass. Isso foi pura sorte. Mas algumas coisas eram fáceis de adivinhar.
Tais como?
As chamadas telefónicas com vídeo, por exemplo. Sabíamos que havia alguma investigação à volta disso desde os anos 60. E pareceu-nos muito possível que, 30 anos depois, essa tecnologia já fosse uma realidade.
Orgulha-se especialmente de alguma dessas invenções que mostraram no filme?
O hoverboard, não há como fugir a isso. Nunca ninguém tinha pensado sobre isso, nunca tínhamos visto nada assim. E captámos a imaginação de toda a gente em todo o mundo, todos queríamos ter um daqueles skates sem rodas. E muitos dos que ficaram loucos com aquilo cresceram a querer inventar um hoverboard. E hoje existe um, produzido no norte da Califórnia, que funciona de acordo com princípios magnéticos. E orgulho-me de poder dizer que já andei num, há duas semanas. E amanhã [hoje] vai ser lançada a versão 2. Há uma fábrica, há uma empresa, um negócio, e isso apareceu do filme. É algo realmente fantástico.
Amanhã [hoje] é mesmo dia 21 de Outubro de 2015. É como se tudo isto estivesse realmente a acabar, como se agora fosse de facto o final do “Regresso ao Futuro”.
Não, acho que não. Não é um dia triste. Não há maneira de acabar. 21 de Outubro de 2015 e o “Regresso ao Futuro” ainda fascina, o primeiro filme, que acontece em 1985 e 1955. Toda a gente percebe o filme e os significados de cada momento. E todos acabam por ver o segundo e o terceiro. Em todas as gerações há quem descubra esta história, parece quase inevitável que assim aconteça. E aposto que, se por acaso conversarmos sobre isto daqui a 30 anos, vai continuar a acontecer o mesmo.
Durante todos estes anos, depois de “Regresso ao Futuro 3” [1990], alguma vez pensou em escrever mais um filme?
Não, nunca. Quando acabámos a terceira parte mandámos fazer umas T-shirts com o logo do “Regresso ao Futuro” e um sinal de proibido, e usámos essas T-shirts na estreia do filme. Combinámos que seria o fim, que aquela era uma óptima maneira de acabar. Até porque voltar demasiadas vezes ao mesmo sítio não faz com que nada de novo aconteça. Pelo contrário, acabamos por cair numa rotina que não faz sentido.
Apesar disso, o Bob está para sempre ligado ao “Regresso ao Futuro”, será sempre o aspecto mais importante, ou pelo menos o mais popular, de todo o trabalho que já fez ou virá a fazer. Isso não o incomoda?
Nada, não me incomoda absolutamente nada. Vejamos de outra maneira: qualquer realizador ou argumentista seria feliz se tivesse feito um filme que toda a gente viu e continua a ver. Se alguém alguma vez me ouvir dizer que estou cansado do “Regresso ao Futuro”, então é porque há algo errado comigo.
Que personagem gostou mais de criar?
De longe, o Doc Brown. E ao saber que teríamos três filmes, a felicidade era completa: tantas oportunidades para esbanjar vocabulário científico, mesmo que nem sempre se percebesse o que estava em causa. Tínhamos o Christopher Lloyd connosco durante todos os filmes e ele era óptimo como cientista ligeiramente louco, tornava todas aquelas expressões coisas dele, coisas pessoais.
Sabe que daqui a alguns anos alguém poderá ter a ideia de fazer um remake destes filmes.
Sim, já falei com o Bob várias vezes sobre isso. Somos totalmente contra e isso nunca vai acontecer porque, para que tal possa concretizar-se, ambos temos de o aprovar legalmente. E o mundo inteiro sabe que isso nunca vai ser uma realidade.
Ficção científica sempre foi para si uma influência?
Cresci a ler as histórias de Ray Bradbury, Robert Heinlein, Isaac Asimov – eram os meus heróis, queria ser como eles. E o Robert Silverberg, claro, que escreveu histórias incríveis de viagens no tempo. A “Twilight Zone”, adorava ver. E depois a versão de 1960 da “Máquina do Tempo” [“The Time Machine”, de HG Wells, no livro original de 1895]. Acho que foi a primeira vez que percebi o conceito de viagem no tempo e isso nunca mais me largou. Claro, depois tinha os livros de banda desenhada.
Daí até escrever um filme, o que foi preciso?
Tudo começou quando descobri o livro do liceu do meu pai e percebi que ele tinha sido o presidente da turma do último ano. Lembrei-me do miúdo que tinha o mesmo cargo quando andei na escola e era um tipo aborrecido, muito direitinho, que não tinha nada a ver comigo. Daí até imaginar o meu pai na mesma turma que eu não foi preciso muito. E o melhor de tudo é que andámos na mesma escola, mas com alguns anos de intervalo.
Tal como Marty McFly e o pai.
Sim, mais ou menos isso. Não é que tenha necessariamente algo a ver com a minha história, mas quem escreve acaba por fazê-lo sempre de forma pessoal, é impossível fugir a isso. A verdade é que pensei “isto dava um bom filme, pôr um adolescente a viajar no tempo e a conhecer os pais quando eram novos”.
Já agora, porquê 88 milhas por hora [mais ou menos 141 km/h]?
Tinha de ser uma velocidade rápida o suficiente de maneira que ninguém lá chegasse de forma acidental. E tinha também de ser fácil de memorizar, para que ninguém se esquecesse em caso de urgência. O melhor de tudo é que o velocímetro do DeLorean que usámos no filme, e que escolhemos porque era um carro fora do vulgar, só ia até 80 ou 85 milhas por hora. Fomos forçados a usar outro velocímetro para os close-ups que fizemos para os filmes.