Por vezes, o excesso de informação ou a falta dela podem conduzir a um mesmo resultado: ofuscar a realidade. Quando o assunto é a atual crise migratória – um número nunca visto de refugiados e emigrantes económicos provenientes, sobretudo, dos conflitos no Médio Oriente e das crises humanitárias da Africa Subsariana que, atravessando o Mediterrâneo, batem à porta da Europa – o enfoque noticioso tem sido tão intenso e pormenorizado que se torna difícil ter uma visão geral do problema.
Enquanto a comunicação social destacava as políticas adotadas em países de desembarque, como a Grécia, ou de passagem, como a Hungria ou a Croácia, ou de destino, como a Alemanha, esta última valeu-se de uma prorrogativa prevista no Acordo de Schengen e, invocando razões de segurança, decidiu suspender temporariamente a livre circulação de pessoas e reintroduzir o controlo nas suas fronteiras. Por cá nenhum jornalista se lembrou de questionar a capacidade de Portugal para lidar com uma emergência deste tipo. Aparentemente a crise mora, realmente, ao lado.
Mas, e se a crise fosse aqui e agora? O que seriam os planos do Governo, quais a medidas que poderíamos tomar, quais as respostas? A estas perguntas pode-se responder com objetividade: nada!
Se hoje, por imperiosa e urgente necessidade, fosse necessário repor o controlo das fronteiras de Portugal com os outros países da União Europeia, pura e simplesmente não haveria capacidade para tal. Nem para controlar, nem para vigiar!
Tomando por referência o ano de 2014, do total de cidadãos que cruzam as fronteiras aéreas e marítimas, foram controlados cerca de 13 milhões, o que representou apenas cerca 40% do total de entradas e saídas do território nacional. Aos 18 milhões de cidadãos provenientes e com destino aos países do Espaço Schengen, a viagem tem um controlo idêntico a uma deslocação de Lisboa a Mafra, ou da Guarda a Viseu. Não há intervenção policial, nem envolve recursos humanos.
Quanto às fronteiras terrestres, votadas ao abandono há mais de um quarto de século depois da adesão à União Europeia e do Acordo de Schengen, não possuem hoje qualquer malha de infraestruturas de apoio que permitam, numa situação de emergência, implementar o controlo fronteiriço terrestre entre Portugal e Espanha. Os tão propalados “planos de contingência” não têm possibilidade real de ser implementados nas fronteiras.
Desenganem-se, também, os que julgam que a resposta será fácil de conceber no quadro de Segurança Interna atual. Há uma incapacidade estrutural das Forças Armadas e/ou da Guarda Nacional Republicana fazerem face às necessidades de pessoal preparado que tal circunstância exigiria. E não se fala sequer das questões técnicas do controlo de pessoas, as quais não se podem confundir com a vigilância fronteiriça ou a defesa do solo português. Colocar nas fronteiras muros, vedações e militares armados tem sempre o resultado que já se verificou na Hungria, ou na Bulgária esta semana: clima de conflito e agressão e os espectáveis atropelos aos direitos humanos.
O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – SEF, apesar de já não admitir nenhum inspetor há 12 anos e de ter sido asfixiado em termos de recursos humanos pela politicas de vários Governos, tem desempenhado a sua missão com patriotismo e competência, mantendo Portugal um país seguro, sem fenómenos de terrorismo e onde as redes criminosas internacionais são perseguidas todos os dias. “Nunca tantos deveram tanto a tão poucos”, como dizia Winston Churchill.
O problema é que se ultrapassou o limite. E a capacidade de resposta está aquém do que as circunstâncias nos vão exigir. O aviso está dado.
Presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF