Foram sete anos na elite mundial do surf. Algo que marca uma vida. Em Dezembro, Tiago Pires deixou de ser o “Portuguese tiger” no CT (a divisão principal do surf) e voltou a ser Saca, o único surfista português que chegou onde todos querem estar. Cinco meses depois, descobriu a emoção da paternidade. Aos 35 anos e com um filho nos braços, já não sente o apelo irresistível do tour.
Pela primeira vez Supertubos recebe a etapa do mundial sem um português no ranking CT (Tiago, Vasco Ribeiro e Frederico Morais competirão com um wildcard). Quando a conversa aconteceu, não se sabia que Saca iria competir – e desta vez sem a pressão que o impediu, no passado, de conseguir melhores resultados a jogar em casa. Em 2014, quando falámos com ele no início da prova, lutava pela permanência na elite.
Um ano depois, o i aproveitou a passagem do circuito pelas ondas portuguesas para saber o que mudou na sua carreira e ouvir as recordações da prova que disputou desde a primeira edição, em 2009. Operíodo de espera do Moche Rip Curl Pro Portugal inicia-se hoje. Agora é aguardar que Supertubos mande aquelas bombas que todos gostam de ver.
Depois de muitos anos no tour, como está a ser acompanhar o circuito pela televisão?
Ahh… as primeiras etapas posso dizer que bateram um pouco, senti uma saudade de lá estar. Mas hoje em dia já estou um bocadinho mais conformado e ciente do que aconteceu. O circuito continua a crescer muito e a ficar cada vez mais bem organizado, o que é uma coisa também apetecível. Uma pessoa pensa em voltar, às vezes. Mas a minha vida também está a mudar, estou numa fase muito recompensadora, ver um filho a crescer, por isso acabo sempre por me esquecer dos campeonatos quando olho para ele.
Tens feito alguns Primes, mas as coisas não têm corrido bem. Não estando no CT, acabaste por relaxar, ou tentar o regresso não era a tua prioridade?
Nunca olhei para este ano como um ano em que fosse tentar uma vaga a todo o custo. Sabia que ia ser um ano diferente, com a chegada do meu filho, por isso tirei completamente a pressão de cima. No entanto, tem sido realmente um ano difícil de tirar bons resultados, mas física e internamente sofri uma transformação bastante grande. Não consegui preparar-me da mesma forma que nos outros anos e os resultados acabaram por ficar aquém do que estava à espera. Nunca pus essa pressão em cima, portanto estou bem com isso. Tenho viajado, feito alguns Primes (actuais QS10000), até me esqueci de fazer a inscrição num deles, o que é uma coisa impensável [Tiago teve de ir aos trials no Ballito Pro, acabando por falhar a presença no quadro principal]. Depois tem sido um ano bastante infeliz em termos de ondas no QS. Para quem andou sete anos a surfar ondas como deve ser num circuito onde a prioridade é a qualidade das ondas, passei para o QS, que é um circuito em que vamos competir aconteça o que acontecer. Acabamos por surfar muitas vezes em condições muito fracas e este ano tem sido um ano difícil de ondas, e isso deixa-me um bocadinho desmotivado. Pronto, e isso, se calhar, explica também um bocadinho os resultados.
Seres pai alterou a tua carreira?
Não estou de todo a pensar em voltar ao tour no ano que vem. Se as coisas por acaso tivessem acontecido este ano e os resultados me tivessem canalizado para pensar nisso, iria ter de decidir sobre o ano que vem. Como os resultados foram fracos, estou fora do top-100, que hoje em dia é uma coisa que pode mudar em duas provas, pois contam apenas as cinco melhores provas. As coisas podem mudar repentinamente. Mas estou realizado e feliz a pensar em novos projectos, que não são campeonatos nem passam pela competição. Ainda vou aproveitar este ano para tirar um ou outro resultado, essa ainda é a minha vontade. Vou ao Havai competir na Triple Crown, é um sítio que eu adoro. Mas sim, a minha vida está num período de transformação, de mudança, e encaro isso com muita vontade também.
O que pensas fazer nos próximos tempos?
De certeza vou dar um pouco mais de atenção à minha escola, mas tenho outros projectos que estão a começar e não passam por aí. Ainda não posso comunicar, mas no início do ano que vem já vou falar mais sobre eles. Tenho um projecto bom que me está a deixar ocupado.
Era expectável que este ano tivéssemos mais portugueses a lutar pela qualificação para o CT? Tens dado na cabeça aos mais novos quando viajam juntos no QS?
É uma coisa difícil de responder. O surf é algo muito íntimo, é um desporto individual, cada um tem o desejo que tem dentro dele e não é fácil tu perceberes em que medida é que um surfista deseja alcançar um objectivo. Hoje em dia é muito fácil falar para uma entrevista, mas colocar em prática não é a mesma coisa. Os nossos surfistas estão a começar a perceber que o QS não é um mar de rosas, que não é por tirarmos um bom resultado que merecemos lá estar. É preciso muito mais, muita dedicação, é isso que não conhecemos dos outros surfistas que se dão bem: a dedicação, a determinação, toda a preparação que há para conseguir vencer nestes circuitos. E isso é uma aprendizagem que tem de ser feita. Eu, às vezes, tenho um olhar mais crítico em cima deles porque os vejo muito relaxados em Portugal e eu, na altura deles, era o único a correr e não me lembro de relaxar tanto. Mas, hoje em dia, o surf em Portugal cresceu muito, quase são pequenas estrelas de rock. Eu desejo o melhor deles e sei que têm potencial para lá chegar, mas é preciso uma boa dose de humildade e empenho para as coisas acontecerem. Espero que comecem a perceber isso o quanto antes.
Como não viajas tanto, tens aproveitado para acompanhar mais o Benfica?
Tenho acompanhado o Benfica, mesmo quando estava no tour. Na vida de alta competição temos sempre momentos de repouso. E hoje em dia, com as novas tecnologias, conseguimos acompanhar os jogos em directo e, por isso, de há uns anos para cá tenho acompanhado melhor o Benfica. Hoje em dia, sim, estou muito mais envolvido que antes. Mas o Benfica é uma história interminável – daqui a uns anos vou estar a falar do Benfica com o meu filho, depois com o meu neto, se tudo correr bem. Penso que não estamos no mau caminho, estou a gostar do novo treinador, a apostar em jovens portugueses. Acho que isso é louvável e uma coisa que o Jorge Jesus nunca fez. E, realmente, nós temos dos melhores talentos do mundo, porque não apostar neles? Acho que é um treinador que consegue pensar um bocadinho mais à frente e vamos ver se os resultados acompanham.
Já pensaste quando vais levar o teu filho a apanhar a primeira onda?
Ainda é muito cedo para falar nisso, neste momento tem cinco meses. Ainda não o pus em qualquer água que não seja a do banho, mas sim, vou pensar nisso. É uma coisa que vai acontecer de certeza.
MELHOR MOMENTO NO CAMPEONATO
“A minha primeira onda no campeonato de 2012, pontuada com 9.83. O momento em que saí daquele tubo e ouvi a explosão de gritos e aplausos na praia foi como se estivesse num estádio de futebol cheio e tivesse marcado um golo na baliza do adversário, na final de uma copa do mundo (risos)”
PIOR MEMÓRIA DE SUPERTUBOS
“Qualquer uma das derrotas foram momentos duros. Mas penso que a derrota contra o Kolohe Andino, nesse mesmo ano (2012), tenha sido a mais pesada dada a forma como a bateria acabou: fiz uma onda que poderia ter sido pontuada o suficiente para virar o resultado e houve um suspense de cinco minutos até a nota sair, cinco minutos de muita angústia que não foi premiada”
QUEM É O MELHOR DO TOUR ACTUAL A SURFAR AS ONDAS DE SUPERTUBOS?
“O John John Florence, o surf dele adapta-se muito bem a Supertubos”