Gregorio Duvivier. “O que o cronista escreve é como um papo de botequim”

Gregorio Duvivier. “O que o cronista escreve é como um papo de botequim”


Já sabíamos que o Porta dos Fundos não era o seu único território. Agora regressa com a peça “Uma Noite na Lua”, na mesma altura em que se publica o seu primeiro livro em Portugal.


Gregorio Duvivier não se cansa. Está de regresso a Portugal com a digressão da peça “Uma Noite na Lua”, que vai estar em dez cidades e à qual se foram acrescentando datas extra. Pelo meio, arranjou tempo para apresentar “Caviar é uma Ova”, o seu primeiro livro publicado em Portugal, pela Tinta da China, e para um espectáculo de poesia em Óbidos.

Entrevistamo-lo por telefone, horas antes de se estrear a peça de teatro em S. Miguel, e confessa-se ansioso mas feliz por poder viajar pelo país inteiro, revelando mais esta faceta ao público nacional. 

Esta peça vai percorrer o país e há mais uma data extra, no Porto, que já prolonga a estadia por Novembro.
Exactamente, há uma data extra, dia 1 de Novembro. São 13 espectáculos e 10 cidades por onde vou passar, vou conhecer Portugal de norte a sul através do teatro e isso deixa-me muito feliz. No Brasil também foi assim, fizemos mais de 30 cidades e fomos muito felizes, conhecendo o país inteiro. Conheci todas as capitais dos estados brasileiros com esse espectáculo. Fico muito contente de agora, finalmente, poder trazer a peça a Portugal. Acho que é a melhor maneira de viajar, com o teatro.

Mas esta não é a única coisa que o vai fazer andar pelo país. Tem estado também a apresentar o seu primeiro livro publicado cá, “Caviar É uma Ova”, vai participar no festival literário de Óbidos, o Folio, com um espectáculo de poesia. Como consegue ter energia para tanto?
Eu gosto muito disso, na verdade. Então não preciso de ir buscá-la, já é natural. Acordei muito ansioso porque era o dia de estreia da peça, mas também é uma oportunidade de mostrar mais de mim, porque a maioria das pessoas em Portugal ainda não me conhece além do Porta dos Fundos, dos vídeos que eu escrevo, dos sketches, mas não as crónicas. E é um país de cuja literatura gosto tanto, que tem cronistas excepcionais, então fico muito feliz de trazer para cá este livro, publicado pela Tinta da China, que é uma editora que publica autores consagrados e me aceitou entre eles.

Este livro reúne ficções, crónicas e relatos, as obras completas de Gregorio Duvivier.
Sim, são textos publicados no jornal “Folha de São Paulo”, ao longo de dois anos, mais de 100 crónicas. Pensámos numa selecção, mas a Bárbara Bulhosa achou melhor publicar todas de uma vez, porque achou que todas eram relevantes à sua maneira. Eu tinha medo que algumas não fossem fáceis de entender, por ter a ver muito com a realidade do Brasil, mas a Bárbara disse que dava para entender tudo.

Portanto, tem textos do livro “Put Some Farofa” que, como nos disse no Festival Literário da Madeira, gostaria de ver publicado em Portugal.
Tem também alguns do “Put Some Farofa”, exactamente. Como tinha mais um ano de crónicas inéditas em livro, resolveu-se publicar logo todas, as obras completas das crónicas.

Voltando à peça, é uma comédia que esteve há muitos anos em cena, com grande sucesso. Como surgiu a oportunidade de interpretar este texto e levar “Uma Noite na Lua” novamente à cena?
A oportunidade veio do João Falcão, director e autor da peça, e que é meu amigo pessoal e meu ex-sogro. Houve um dia em que ele me disse para dar uma leitura no texto, que nunca tinha lido. Embora fosse muito famoso nos anos 90, nem cheguei a assistir no teatro. Então li e achei o texto perfeito, fiquei com muita inveja porque gostaria de ter sido eu a escrevê-lo. Como já estava escrito, resolvi interpretá–lo. Já o faço há três anos e meio, mas continua a ser uma grande responsabilidade. 

E faz o papel de um escritor angustiado com a criação de uma peça. Já sentiu esse tipo de angústia na sua escrita? 
Sim, tenho isso todas as semanas quando escrevo para a “Folha” [de São Paulo], para o Porta dos Fundos. Passo por essa crise criativa semanalmente. Mas é bom, porque temos de aprender a contorná-la. Eu arranjei até um truque, uma gaveta de coisas que não publiquei e que de repente dá para reaproveitar. Também há aquela velha saída de escrever sobre a própria falta de inspiração, que é um truque baixo, mas às vezes a gente tem de usar. Há muitas saídas possíveis. 

O que é mais difícil escrever, um sketch de humor, um poema ou uma crónica para um jornal?
Para mim são os vídeos do Porta dos Fundos, porque tem de ser engraçado e a gente já falou um pouco sobre tudo também. Já são 500 vídeos do Porta dos Fundos, 500 curtas-metragens, então há muitas possibilidades que esgotámos. Volta e meia escrevemos e percebemos que estamos a autoplagiar-nos.

Mas vem aí um filme do Porta dos Fundos, que começa a ser rodado em Janeiro. O que pode dizer-nos sobre ele? 
O Porta não vai ser, de certeza, um filme de sketches, não vão estar os sketchs que já conhecemos reproduzidos. Vai ser uma história nova.

Disse numa entrevista que não lê a caixa de comentários das suas crónicas no “Folha de São Paulo”. Alguma vez foi ameaçado?
Tive muitas ameaças, mas nada muito sério. O que acontece é muito verbal, o problema todo é a internet. As pessoas na internet são muito corajosas, mas não significa necessariamente que te queiram agredir na rua se te encontrarem. Na internet, as pessoas estão escondidas atrás de um perfil, de uma tela, e ficam muito corajosas e agressivas. São valentes da internet. 

“Valentes da internet” seria um bom título para uma crónica. Quando escreve esse género, que temas aborda além da política do país?
Falo sobre tudo, tento não repetir muito os temas. Por exemplo, a política, tento não repetir muito. Falo do quotidiano, do que me rodeia. O que o cronista escreve é como um papo de botequim, como falamos no Brasil. E vive dessa conversa. A crónica é uma conversa, então não se pode ser repetitivo senão fica uma conversa chata. Por isso, tento falar sobre o que vou ouvindo por aí, o meu principal material é o quotidiano. 

Apesar desse lado mais negativo da internet que referiu, nos últimos anos ela também foi revelando o que se faz a nível artístico e criativo em Portugal e no Brasil. As barreiras culturais entre os dois países são menores agora?
Acho que as barreiras no mundo, de uma maneira geral, são menores. Mas as de Brasil e Portugal também. Estamos a gostar muito de consumir a cultura portuguesa, que é fantástica e interminável. Sempre gostei, através dos Gato Fedorento, do Bruno Aleixo, das crónicas do Lobo Antunes, do Saramago, e fico feliz de ver que isso não pára de aumentar, também através da música. E vice-versa. O Porta dos Fundos traz a Portugal um Brasil que não é o das novelas, tão-pouco é o do samba e do Carnaval. É um novo Brasil que não costuma atravessar o oceano. 

Falando em oceano e regressando à sua passagem pelo Festival Literário da Madeira, disse nessa altura que precisava que lhe dessem um prazo para se decidir a fazer um romance. Já lhe deram esse prazo?
Ainda não me deram nenhum prazo, como é que pode? Não recebi nenhum prazo ainda. 

Mas agora, se calhar, também estaria muito ocupado para o cumprir ou haveria tempo para isso nesta fase da sua vida?
Eu acho que não. Vou pedir à Bárbara Bulhosa para me dar um prazo no ano que vem e assim publico-o logo aqui em Portugal.