Não é uma organização partidária, mas tem dois “representantes” nas negociações para a formação de um governo de esquerda. Com a particularidades de estarem sentados em lados opostos da mesa. Acrescente-se que a “entidade” em causa se chama… “Ladrões de Bicicletas”. Confuso?
“João, Nuno, Pedro e Zé”. Em Abril de 2007 estes quatro nomes assinavam o texto inaugural do blogue “Ladrões de Bicicletas”. O Pedro é Pedro Nuno Santos, economista do PS que integra a equipa socialista. O Zé é José Guilherme Gusmão, dirigente do Bloco de Esquerda. Os outros dois fundadores também não são desconhecidos – João Rodrigues e Nuno Teles, que à data estavam no Bloco de Esquerda, mas deixaram entretanto este partido, apoiando a CDU nas últimas eleições.
A origem mais distante dos “Ladrões de Bicicletas” está na Rua do Quelhas, em Lisboa. O mesmo é dizer no ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão) onde os quatro se formaram em economia nos anos 90. As diferenças políticas já vêm daí. Pedro Nuno Santos já era socialista, José Gusmão era do PCP – que haveria de deixar, entrando depois no Bloco de Esquerda. “Éramos todos do ISEG, com participação associativa, politizados”, diz João Rodrigues, lembrando que havia já então “uma tradição de discussão”. Que é transportada para o blogue, sem que isso cause dificuldades, garante – “é um espaço totalmente livre, cada um escreve o que entende”.
Se os quatro se mantém desde o início, o painel de bloggers foi mudando ao longo do tempo. Actualmente são 11, um conjunto em que a diversidade política ainda se alarga. Além de Pedro Nuno Santos, também o socialista João Galamba escreve no “Ladrões de Bicicletas”. Onde também estão José Castro Caldas e Nuno Serra, que integram o movimento “Tempo de Avançar”. O grupo inclui ainda os economistas Jorge Bateira, Ricardo Paes Mamede, Alexandre Abreu e João Ramos de Almeida.
Contra a hegemonia à direita
O “Ladrões de Bicicletas” , explica João Rodrigues, nasce da constatação de que os economistas de esquerda não conseguiam fazer ouvir a sua voz. “Tínhamos a preocupação de que na blogosfera, e no espaço público em geral, havia uma sobrerepresentação de economistas neo-liberais, vinculados a projectos políticos de direita. A economia era aquilo que os economistas liberais diziam que era”. Quebrar essa hegemonia é um objectivo expresso logo no primeiro texto, que identifica o blogue como um “espaço de opinião de esquerda, socialista e que pretende desafiar o actual domínio da direita na luta das ideias”. Com “partidos e ideologias diferentes e divergentes”, mas assumindo um corpo comum de princípios – “pleno-emprego, serviços públicos, redistribuição da riqueza e do rendimento, controlo democrático da economia”.
A pedalar para onde?
O nome do blogue – sugerido por Pedro Nuno Santos – evoca o filme homónimo de Vittorio de Sica, de 1948, um dos expoentes do neo-realismo italiano, que viria a ganhar o óscar de melhor filme estrangeiro. O protagonista, desempregado, arranja um emprego a colar cartazes, mas para isso precisa de uma bicicleta que não tem. Acaba a vender objectos pessoais para comprar a bicicleta que, pouco depois, é roubada. O filme acompanha a procura do protagonista pela bicicleta, sem a qual não conseguirá trabalhar. E o que é que a bicicleta e os ladrões têm a ver com economia? É um retrato dos “dilemas trágicos que os indivíduos têm de enfrentar em resultado da falta de recursos e de poder”. “Não somos cineastas, mas economistas. Acreditamos que a economia, como o cinema, pode ser um ‘desporto de combate’”, diz a declaração de princípios do blogue.