As famílias de hoje estão diferentes, mas o sentido de família não deve ser alterado. O cardeal-patriarca de Lisboa falou no Sínodo da Família que está a acontecer em Roma para dizer que as comunidades cristãs devem renovar-se e abrir-se às novas possibilidades, mas sem se deixarem desvirtuar. E que as famílias deverão regressar à “verdade cristã das origens”.
Num discurso colado à ala mais conservadora do sínodo – reunião de bispos de todo o mundo em que se discute, até dia 25, de que forma a Igreja pode ou deve abrir-se às novas formas de família –, D. Manuel Clemente avisou que as comunidades cristãs não devem resumir-se a “agências de serviços”, devendo tornar-se lugares onde as famílias “nascem sacramentalmente, se encontram e caminham na fé, em entreajuda e partilha”. O patriarca de Lisboa recordou que a concentração de pessoas nas grandes cidades e a separação das famílias alteraram profundamente o “antigo quadro rural onde a vida geralmente decorria” e onde existia uma “grande vinculação familiar”. A maioria da população mundial, acrescentou, vive em contexto urbano e esse movimento deverá crescer ainda mais “em concentrações de muitos milhões de habitantes”.
Uma realidade que, segundo D. Manuel Clemente, dificulta a “reconstrução de solidariedades” como as que existiam antes ou as “vizinhanças estáveis onde as gerações se sucediam e reconheciam”. Além disso, as famílias de hoje são também prejudicadas por questões materiais: “Tornou-se difícil dar condições materiais e sociais suficientes a todos os que querem constituir famílias, e criar filhos, com as dimensões que tinham há décadas.” A juntar a estes problemas há ainda o “individualismo cultural” que hoje prevalece nas sociedades e que não privilegia “compromissos duradouros e fecundos”.
O cardeal-patriarca de Lisboa reconheceu que “são recorrentes as queixas de quem não é verdadeiramente acolhido nem atendido” nas instituições da Igreja e acrescentou: “Nem sempre podemos corresponder ao que nos é pedido, mas nunca podemos desprezar quem nos pede alguma coisa.” D. Manuel Clemente defendeu uma preparação para o casamento que “comece cedo, na família e na catequese da infância e da adolescência”, e um acompanhamento das famílias “na comunidade e em grupos de casais”. Ao fazerem esse caminho, as comunidades poderão tornar-se “proféticas” para uma sociedade que, a partir delas, se renovará, valorizando a base familiar. “Incorporando as possibilidades tecnológicas e mediáticas hoje disponíveis, mas não se deixando desvirtuar por elas”, explicou o português.
D.Manuel Clemente apelou mesmo ao regresso à “verdade cristã das origens”, recordando como a vida de Jesus aconteceu em “contexto familiar”. “Face aos grandes desafios que hoje enfrentamos, em termos de sociedade e evangelização, importa encontrar a base firme para a resposta cristã. Encontramo-la na família e devemos oferecê-la no testemunho fecundo das famílias cristãs”, rematou.
Num ambiente cada vez mais turbulento, afigura-se pouco provável que saiam grandes mudanças do Sínodo da Família. Ontem, o porta-voz do Vaticano revelou aos jornalistas que alguns dos participantes foram “muito precisos sobre uma posição negativa quanto a um possível acesso dos divorciados recasados à comunhão”. Federico Lombardi ressalvou, no entanto, que isso não significa que se queira diminuir a “atenção da Igreja para com todas as pessoas que se encontram em situações difíceis”.
A posição conservadora de D. Manuel Clemente era expectável. Em Julho, o “Sol” já adiantava que o cardeal-patriarca defendia linhas de maior conservadorismo. Numa votação secreta feita na Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) sobre o sínodo, o patriarca de Lisboa e os bispos de Braga e do Porto mostraram-se contra eventuais alterações doutrinais, ao contrário dos bispos de Fátima, Aveiro, Castelo Branco, Coimbra, Viseu ou Guarda, que se mostraram mais liberais.