O bloco central não existe


Passos Coelho representa, sem dúvidas e sem inibições, uma posição economicamente liberal e antiestatal que consome também o CDS.


Para quem, como eu, esteve na última semana fora de Portugal e imerso em temas substancialmente distintos da nossa vida política, foi muito curioso notar como, através de visitas muito fugazes às páginas da imprensa na internet, se deixaram rapidamente de ver notícias sobre os nomes já certos no novo governo PSD/CDS e se passou a equacionar até como provável um “governo de esquerda” sustentado também pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda. 

Seria a primeira vez que o partido mais votado estaria fora do governo. Mas estas eleições significaram tantas coisas novas que levam algum tempo a serem ponderadas. Que novidades então? A ultrapassagem do PCP pelo Bloco de Esquerda. Mais de um milhão de votos nestes dois partidos, representando praticamente 20% dos votantes. A entrada de um novo partido no parlamento, o PAN, que parece ser feito de uma verdadeira atitude “verde”, ecossistémica e de civilidade contemporânea que por aqui, até agora, não existia. Uma coligação de partidos como a mais votada, mas sem uma maioria de deputados na Assembleia. E a tal maioria absoluta da esquerda no parlamento, mesmo que até hoje esta esquerda sempre tenha sido inconciliável no governo (já não, por exemplo, em diversos contextos autárquicos).

Desde a nossa entrada na hoje União Europeia, há 30 anos, os governos de um partido que exerceram funções com maioria relativa no parlamento fizeram-no porque as alianças parlamentares contra si eram manifestamente improváveis e mesmo impossíveis no momento de constituir governo – ou seja, basicamente os governos do PS em 1995, 1999 e 2009. E até agora, as coligações vitoriosas, de forma mais ou menos explícita, que foram a votos obtiveram sempre maiorias absolutas – ou seja, os projectos comuns do PSD e CDS em 2002 e em 2011.

Por outro lado, as lideranças políticas são hoje também extraordinariamente claras e distintas no seu posicionamento ideológico e político, o que nem sempre sucedeu. Passos Coelho representa, sem dúvidas e sem inibições, uma posição economicamente liberal e antiestatal que consome também o CDS, ao contrário daquela social–democracia conservadora entre nós tradicional, a cultivada por Cavaco Silva ou Manuela Ferreira Leite. António Costa, por seu turno, é um socialista pragmático, o típico “homem de esquerda” que não tem dúvidas sobre se, afinal, é mais ou menos “à esquerda” do que devia, uma psicose na qual o PS é pródigo sem grande proveito, e que construiu um programa eleitoral detalhado que ninguém que o tenha lido pode dizer que era um convite a um bloco central. 

Catarina Martins e este Bloco – que não é o mesmo de 1999 e afins – e Jerónimo de Sousa e o PCP aprenderam seguramente que, se querem corresponder ao seu eleitorado em 2015, têm de estar prontos para ir a jogo, na primeira vez em que isso lhes é tecnicamente possível, para mudar a orientação de governo do país, provavelmente fora de um executivo. Se não estivessem disponíveis, independentemente do que venham a ser os resultados das negociações em curso, seria o princípio do seu fim, o que o PCP sabiamente viu antes de todos os demais. E a dissolução da NATO? E a saída do euro? Bem, tanto quanto recordo, o PCP, que esteve no governo da cidade de Lisboa durante largos anos em coligação com o PS, não criou sovietes em Alfama nem proibiu que vasos de guerra imperialistas atracassem no Poço do Bispo… Mas o melhor é ir lá e confirmar.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira

O bloco central não existe


Passos Coelho representa, sem dúvidas e sem inibições, uma posição economicamente liberal e antiestatal que consome também o CDS.


Para quem, como eu, esteve na última semana fora de Portugal e imerso em temas substancialmente distintos da nossa vida política, foi muito curioso notar como, através de visitas muito fugazes às páginas da imprensa na internet, se deixaram rapidamente de ver notícias sobre os nomes já certos no novo governo PSD/CDS e se passou a equacionar até como provável um “governo de esquerda” sustentado também pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda. 

Seria a primeira vez que o partido mais votado estaria fora do governo. Mas estas eleições significaram tantas coisas novas que levam algum tempo a serem ponderadas. Que novidades então? A ultrapassagem do PCP pelo Bloco de Esquerda. Mais de um milhão de votos nestes dois partidos, representando praticamente 20% dos votantes. A entrada de um novo partido no parlamento, o PAN, que parece ser feito de uma verdadeira atitude “verde”, ecossistémica e de civilidade contemporânea que por aqui, até agora, não existia. Uma coligação de partidos como a mais votada, mas sem uma maioria de deputados na Assembleia. E a tal maioria absoluta da esquerda no parlamento, mesmo que até hoje esta esquerda sempre tenha sido inconciliável no governo (já não, por exemplo, em diversos contextos autárquicos).

Desde a nossa entrada na hoje União Europeia, há 30 anos, os governos de um partido que exerceram funções com maioria relativa no parlamento fizeram-no porque as alianças parlamentares contra si eram manifestamente improváveis e mesmo impossíveis no momento de constituir governo – ou seja, basicamente os governos do PS em 1995, 1999 e 2009. E até agora, as coligações vitoriosas, de forma mais ou menos explícita, que foram a votos obtiveram sempre maiorias absolutas – ou seja, os projectos comuns do PSD e CDS em 2002 e em 2011.

Por outro lado, as lideranças políticas são hoje também extraordinariamente claras e distintas no seu posicionamento ideológico e político, o que nem sempre sucedeu. Passos Coelho representa, sem dúvidas e sem inibições, uma posição economicamente liberal e antiestatal que consome também o CDS, ao contrário daquela social–democracia conservadora entre nós tradicional, a cultivada por Cavaco Silva ou Manuela Ferreira Leite. António Costa, por seu turno, é um socialista pragmático, o típico “homem de esquerda” que não tem dúvidas sobre se, afinal, é mais ou menos “à esquerda” do que devia, uma psicose na qual o PS é pródigo sem grande proveito, e que construiu um programa eleitoral detalhado que ninguém que o tenha lido pode dizer que era um convite a um bloco central. 

Catarina Martins e este Bloco – que não é o mesmo de 1999 e afins – e Jerónimo de Sousa e o PCP aprenderam seguramente que, se querem corresponder ao seu eleitorado em 2015, têm de estar prontos para ir a jogo, na primeira vez em que isso lhes é tecnicamente possível, para mudar a orientação de governo do país, provavelmente fora de um executivo. Se não estivessem disponíveis, independentemente do que venham a ser os resultados das negociações em curso, seria o princípio do seu fim, o que o PCP sabiamente viu antes de todos os demais. E a dissolução da NATO? E a saída do euro? Bem, tanto quanto recordo, o PCP, que esteve no governo da cidade de Lisboa durante largos anos em coligação com o PS, não criou sovietes em Alfama nem proibiu que vasos de guerra imperialistas atracassem no Poço do Bispo… Mas o melhor é ir lá e confirmar.

Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

Escreve à terça-feira