A jornalista de 67 anos é autora de livros como “O Fim do Homem Soviético” ou “Vozes de Chernobyl”, ensaios que, muito mais do que cronologias históricas, são memórias emocionais.
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A vontade maior de Svetlana Alexievich está exposta no site da autora bielorrussa. Primeira linha da primeira página, nada mais simples: “Tenho procurado um estilo que seja adequado à minha visão do mundo para transmitir aquilo que os meus ouvidos e os meus olhos vêem como sendo a vida. Tentei isto e aquilo e, finalmente, escolhi um género no qual as vozes humanas falam por elas próprias.”
Não é um documentário em papel, não é jornalismo bem encadernado; muito menos ficção, porque Alexievich tem a mania da verdade dorida e emocionada. É, de facto, algo distinto. Nas palavras da Academia das Artes e Ciências da Suécia, é uma “nova forma literária”, é um Prémio Nobel para a literatura de Svetlana – a 14.a mulher a receber a distinção, que é entregue desde 1901.
Disse a porta-voz do júri, logo após o anúncio de ontem, que a premiada reagiu à notícia com um simples “fantástico”. Depois terá certamente seguido para o que tinha a tratar naquele momento. Só assim consegue fazer o que faz, ao ritmo que impõe a si própria: “Demoro muito tempo a escrever os meus livros, de cinco a dez anos. Tenho duas ideias para novos livros e fico contente por agora ter liberdade para as trabalhar.”
Palavras de Alexievich ao canal de televisão sueco SVT. Trabalho, trabalho, trabalho, é só isso. E a tal nova “liberdade” que não pode estar distante de um prémio de oito milhões de coroas suecas, qualquer coisa próxima de 900 mil euros (Svetlana soube da notícia quando estava a passar a ferro).
Quanto ao tempo que tem de ter para escrever, é o necessário, é o que é preciso para – e voltando aos elogios do júri que atribuiu este Nobel – chegar à “escrita polifónica” que o prémio maior das letras vem agora reconhecer, escrita essa que é um “monumento ao sofrimento e à coragem no nosso tempo”.
Livros
Coisas práticas: a melhor maneira de perceber tudo isto – até porque não estamos perante uma estrela pop da literatura que cria fãs em pelo menos uma mão-cheia de amigos próximos que nos vão dar dicas e sugestões – é ler o que está entre nós.
Primeiro com “O Fim do Homem Soviético”, título de 2013 que este ano a Porto Editora lançou em Portugal. Trata-se de um ensaio sobre diferentes mundos de uma mesma Rússia, do legado da URSS, como persiste ou desapareceu, dependendo dos casos, e como os diferentes russos vivem em volta de regimes opostos mas sempre fortes, sempre decididos. Ou, como escreveu o “Le Monde”, “um magnífico mausoléu em homenagem a um tempo desaparecido”.
Depois haverá “Vozes de Chernobyl”, título provisório para um livro que só será publicado em português no próximo ano, pela Elsinore (a editora confirmou-o ontem). É uma história oral do desastre nuclear ocorrido naquela cidade ucraniana em Abril de 1986.
Centenas de entrevistas transformadas num testemunho elogiado desde a sua publicação original, em 2005. Testemunhas, bombeiros, cientistas e políticos, discursos diferentes para uma visão abrangente, elaborada ao longo de dez anos. Repetimos o aviso: vai ser publicado em português no próximo ano, a tempo do 30.o aniversário da catástrofe.
Estas “Vozes de Chernobyl” foram recolhidas por Svetlana Alexievich quando a autora era jornalista em Minsk, na revista literária “Neman”. Isto depois de outros jornais e revistas, depois de crescer e estudar na Bielorrússia (terra do pai) e após ter nascido em Ivano--Frankovsk, na Ucrânia (terra da mãe). Diferentes Rússias soviéticas, outros tantos países surgidos após a desagregação do Bloco de Leste, tudo em perfeita sintonia com o que Svetlana Alexievich faz enquanto escritora – não tanto na qualidade de ornitóloga que a Wikipedia também lhe atribui, entre outros sites, e que não conseguimos, com pena, confirmar.
Estilo
Assinou reportagens e contos, mais tarde descobriu que era nas memórias individuais, depois entrelaçadas com jeito de artesã, que estavam as melhores histórias, longe da frieza das cronologias e próximas das emoções que qualquer acontecimento provoca. “Não me limito a recuperar uma história seca feita de eventos e datas, escrevo a história de sentimentos humanos.”
Mais uma vez, o discurso é da própria Svetlana, no tal site com o seu nome. E é resultado de duas importantes influências, recordadas ontem pela Academia sueca: as notas sobre as vidas de soldados da Primeira Guerra Mundial, pela escritora e enfermeira Sofia Fedorchenko (1888-1959), e os relatos de Ales Adamovich (1927-1994) durante a Segunda Guerra Mundial.
Entre os livros habitualmente citados como “obrigatórios” da obra de Svetlana Alexievich contam-se (e estes não são os títulos originais, naturalmente) “War’s Unwomanly Face”, de 1988, sobre as vidas de diferentes mulheres durante a Segunda Guerra Mundial, e “Zinky Boys” (1992), uma espécie de regresso à guerra do Afeganistão através dos relatos de soldados russos.
Uma análise da realidade que já valeu à autora críticas e perseguições, as mesmas que a levaram a viver em países como a Itália, a Alemanha, a França ou a Suécia.