Analisados os resultados das últimas eleições legislativas, algumas ilações se podem retirar. A primeira é que o “partido” vitorioso foi (infelizmente para a democracia) a abstenção. Mais de 43% dos cidadãos recenseados recusaram-se a ir às urnas (ou não puderam fazê-lo). São cerca de 4 milhões de portugueses. As explicações são várias, mas todas elas confrangedoras. Uns estão-se marimbando para a política, qualquer que ela seja; outros não votam como protesto contra os políticos, que “são todos uns bandidos”; outros não votaram porque não gostam do governo nem das alternativas. Mas 43% de abstenção é quase meio país. É grave. Creio que é altura de se começar a pensar seriamente em crise da democracia e como combatê-la.
Quanto a partidos vencedores, claramente que o triunfador foi o BE. Duplicar a votação e trocar a extinção anunciada por uma terceira posição no ranking da Assembleia é obra. As “meninas” portaram-se bem e conseguiram esvaziar parte do PS e impedir uma subida maior do PCP.
Segundo vencedor da noite foi, diga-se o que se disser, a coligação governamental. Depois de quatro anos de terror em que se foi “além da troika”, ficarem em primeiro com quase 39% dos votos é surpreendente. Tecnicamente, a campanha foi imaculada (ou quase) e os dois chefes de fila estiveram bem, procurando sobretudo não cometer erros. Conseguiram e ganharam, apesar de terem perdido muitos votantes em relação a 2011. Mas a derrota seria perderem muito mais. Estancaram a hemorragia.
O PAN atingiu a meta de um deputado. Os animais ao poder. Mais? Perguntam alguns.
Os grandes derrotados foram o PS e António Costa. Desde logo porque, dadas as circunstâncias, deviam ter ganho e por muitos. António Costa não galvanizou e o partido foi um saco de gatos, velho, conservador, intriguista, sem qualquer tipo de charme, sem se colocar como alternativa credível. A campanha não podia ter sido pior, de um amadorismo confrangedor e parecendo, por vezes, que estava a ser torpedeada do interior. Continuou a ser “poucochinho”, apesar de ter aumentado o número de votantes. Mas não se pense que com Seguro teria sido melhor. O problema é sobretudo do PS, não do líder. Este PS arrisca-se a evaporar-se lentamente se não se transfigurar. Há muita gente neste PS que só devia ser sócio, votar no dia das eleições e abster-se de tudo o resto. Tudo o mais é demais. O PS tem de ser uma referência de cidadania, tem de modernizar-se, tem de mostrar que é um caminho diferente de todos os outros e viável.
Mas a crise da social-democracia é um facto incontestável, sobretudo depois da queda do Muro de Berlim. De resto, pelas mesmas razões, o PCP também perdeu, pois não cresceu como seria de supor face à governação.
Há outros aspectos a considerar. Falando de maiorias, vejamos o que nos dizem os resultados: a “maior” maioria é, objectivamente, PSD/CDS e PS. A uni-los, NATO e euro. Conjuntamente representam quase 70% dos votantes. Depois, PS, BE e PCP formam uma outra maioria de quase 60%. A desuni-los, NATO e euro. Mas o imbróglio é manifesto, sobretudo para o PS, acossado dos dois lados e podendo pressionar igualmente à sua direita e à sua esquerda.
Escreve à sexta-feira