Maiorias e minorias


Governa quem ganha; opõe-se, colabora ou destrói quem perde: estas são as regras do jogo.


© Miguel A: Lopes/Lusa

Prometi falar esta semana de maioria (ou maiorias), uma vez conhecidos os resultados das legislativas do passado domingo. Porque em democracia há sempre maiorias. E minorias. 

Domingo ditou uma maioria “relativa” para governar. Dependente e instável mas maioria para este efeito: a coligação teve mais votos e obteve vencimento na sua estratégia de continuidade. Não deve governar apenas quem tem maiorias “absolutas” de mandatos parlamentares, sob pena de um sistema eleitoral como o nosso ser patológico.

Quem assim pensa, deve ser consequente e pedir o óbvio: quem ganha, deve ter um prémio adicional de deputados e, se conseguir, governar com apoio aritmeticamente maioritário no parlamento. Se assim não se pede, não se recuse a quem ganhe a legitimidade para formar governo.  

O PS e António Costa perderam no desafio para liderar um novo governo mas, obtendo uma minoria “de bloqueio”, não perderam em toda a linha. A grande ilação a retirar do novo quadro da assembleia é a vontade popular de extinguir a anterior maioria “absoluta” e colocar o PS a fiscalizar e a contribuir para a governação de PSD e CDS. Se assim não for compreendido, o PS desenhado por Mário Soares e os restantes fundadores falece sem piedade.

Assim, esses três partidos têm a maioria “da governação”, se assim quiser o PS e durante o tempo que quiser. De todo o modo, não aprecio que esses três partidos que já governaram se auto-coloquem num alegado “arco de governação”: esse arco continua a estar exclusivamente na dependência da vontade dos eleitores.

Suponhamos que o PS ganhava as eleições com maioria relativa (40%) e PCP e BE tinham 30% dos votos: o “arco da governação” seria alterado e até se poderia defender que nele estariam todos os partidos, sem excepção, e o PS encontraria num deles o apoio para governar com maioria aritmética.  

Neste contexto, vale pouco a “maioria de esquerda” encontrada nos mandatos parlamentares. É uma maioria muito relevante tendo em conta que resulta da agregação dos que votaram contra o governo anterior, mas encontra pouca utilidade se os seus partidos perdem as eleições para o bloco alternativo vencedor.

Não é curial chamar-lhe maioria “negativa”, embora se perceba que muitos dos votos no PCP e no BE são substancialmente votos de protesto “puro”. Isto é, votos que se entregam para fazer oposição e exercer contra-poder.  

É nesse quadro que se vê a minoria “musculada” de BE e PCP, feita de contrariedade ao voto útil no PS (a “morte” de António Costa), de canalização de muitos indecisos para o voto no BE (a grande vitória de Catarina Martins) e de preservação do eleitorado do PCP. Passou a ter um peso específico. Não o suficiente para obrigar o PS a descaracterizar-se.

Mas o bastante para ganhar autoridade e crédito nas suas convicções em várias bolsas sociais e laborais. Com uma grande novidade: o BE quer ser governo no país. Nisso, Francisco Louçã foi um dos grandes perdedores da noite. O pai fundador do BE sempre viu a fusão dos partidos à esquerda do PS como uma bolsa oposicionista sem aspiração ao poder efectivo. Contra esse destino se revoltaram os “dissidentes” do BE, que, ironicamente, perdem em toda a linha quando o BE assume o que pediram durante anos: aspirar à governação com o PS.

Se calhar antes do tempo.

Parece ter começado um assomo de novo ciclo de orientação do eleitorado, a caminho de novas maiorias e minorias e, até, de ajustamento de ideologias e programas. O poder explicará muita coisa entretanto. Mas a pressa para lá chegar nem sempre será a melhor companheira…

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto.
Escreve à quinta-feira

Maiorias e minorias


Governa quem ganha; opõe-se, colabora ou destrói quem perde: estas são as regras do jogo.


© Miguel A: Lopes/Lusa

Prometi falar esta semana de maioria (ou maiorias), uma vez conhecidos os resultados das legislativas do passado domingo. Porque em democracia há sempre maiorias. E minorias. 

Domingo ditou uma maioria “relativa” para governar. Dependente e instável mas maioria para este efeito: a coligação teve mais votos e obteve vencimento na sua estratégia de continuidade. Não deve governar apenas quem tem maiorias “absolutas” de mandatos parlamentares, sob pena de um sistema eleitoral como o nosso ser patológico.

Quem assim pensa, deve ser consequente e pedir o óbvio: quem ganha, deve ter um prémio adicional de deputados e, se conseguir, governar com apoio aritmeticamente maioritário no parlamento. Se assim não se pede, não se recuse a quem ganhe a legitimidade para formar governo.  

O PS e António Costa perderam no desafio para liderar um novo governo mas, obtendo uma minoria “de bloqueio”, não perderam em toda a linha. A grande ilação a retirar do novo quadro da assembleia é a vontade popular de extinguir a anterior maioria “absoluta” e colocar o PS a fiscalizar e a contribuir para a governação de PSD e CDS. Se assim não for compreendido, o PS desenhado por Mário Soares e os restantes fundadores falece sem piedade.

Assim, esses três partidos têm a maioria “da governação”, se assim quiser o PS e durante o tempo que quiser. De todo o modo, não aprecio que esses três partidos que já governaram se auto-coloquem num alegado “arco de governação”: esse arco continua a estar exclusivamente na dependência da vontade dos eleitores.

Suponhamos que o PS ganhava as eleições com maioria relativa (40%) e PCP e BE tinham 30% dos votos: o “arco da governação” seria alterado e até se poderia defender que nele estariam todos os partidos, sem excepção, e o PS encontraria num deles o apoio para governar com maioria aritmética.  

Neste contexto, vale pouco a “maioria de esquerda” encontrada nos mandatos parlamentares. É uma maioria muito relevante tendo em conta que resulta da agregação dos que votaram contra o governo anterior, mas encontra pouca utilidade se os seus partidos perdem as eleições para o bloco alternativo vencedor.

Não é curial chamar-lhe maioria “negativa”, embora se perceba que muitos dos votos no PCP e no BE são substancialmente votos de protesto “puro”. Isto é, votos que se entregam para fazer oposição e exercer contra-poder.  

É nesse quadro que se vê a minoria “musculada” de BE e PCP, feita de contrariedade ao voto útil no PS (a “morte” de António Costa), de canalização de muitos indecisos para o voto no BE (a grande vitória de Catarina Martins) e de preservação do eleitorado do PCP. Passou a ter um peso específico. Não o suficiente para obrigar o PS a descaracterizar-se.

Mas o bastante para ganhar autoridade e crédito nas suas convicções em várias bolsas sociais e laborais. Com uma grande novidade: o BE quer ser governo no país. Nisso, Francisco Louçã foi um dos grandes perdedores da noite. O pai fundador do BE sempre viu a fusão dos partidos à esquerda do PS como uma bolsa oposicionista sem aspiração ao poder efectivo. Contra esse destino se revoltaram os “dissidentes” do BE, que, ironicamente, perdem em toda a linha quando o BE assume o que pediram durante anos: aspirar à governação com o PS.

Se calhar antes do tempo.

Parece ter começado um assomo de novo ciclo de orientação do eleitorado, a caminho de novas maiorias e minorias e, até, de ajustamento de ideologias e programas. O poder explicará muita coisa entretanto. Mas a pressa para lá chegar nem sempre será a melhor companheira…

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto.
Escreve à quinta-feira