O debate sobre se o Papa Francisco é progressista ou conservador existe desde que chegou ao Vaticano. Mas ganhou, por estes dias, uma nova forma. Não é novidade que no sínodo sobre a família que está a acontecer em Roma – e em que a Igreja discute de que maneira poderá ou deverá aproximar-se da realidade das novas famílias – existem posições distintas sobre assuntos polémicos e até aqui encarados como tabu para a hierarquia católica.
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Há quem defenda a abertura da comunhão aos divorciados e recasados e a necessidade de uma abordagem diferente ao acolhimento dos homossexuais. E quem se oponha à mudança daquilo que está instituído.
Na recente visita aos EUA, o Papa recebeu em audiência privada um amigo gay com o seu companheiro
Em Fevereiro de 2014, quando o cardeal alemão Walter Kasper sugeriu a possibilidade de admitir divorciados aos sacramentos – ainda que sob algumas condições –, ficou claro que há duas alas distintas de pensamento. A Kasper juntaram-se outros cardeais, como Marx e Christoph Schönborn ou os italianos Dionigi Tettamanzi e Coccopalmerio.
Depressa se alinhou a ala rival, com os cardeais Müller, Marc Ouellet ou Scolla. Mas se a batalha é clara, menos explícita tem sido a posição do Papa. A três semanas do final do sínodo sobre a família, há interpretações diferentes sobre o que quer Francisco para a Igreja.
Na terça-feira, por exemplo, o sumo pontífice avisou os participantes que não devem centrar a discussão e a reflexão só na questão dos divorciados. Mas, em Julho de 2013, afirmou que o tema precisa de ser “estudado” e até recordou que na Igreja Ortodoxa as segundas uniões são permitidas.
Com alguns gestos e discursos, o Papa conquistou a simpatia das alas mais progressistas – irritando e até preocupando as mais conservadoras. Noutros, baralhou os progressistas e colheu os aplausos dos conservadores – como no último domingo, ao reafirmar que o casamento é indissolúvel e entre um homem e uma mulher.
Muitos esperam que, a seguir ao sínodo, a Igreja Católica se abra a novas orientações sobre a participação dos divorciados e homossexuais. Uma ideia, explica um padre ouvido pelo i, sustentada pelo facto de o Papa ter insistido, desde o início do pontificado, “na ideia de que é preciso uma Igreja mais inclusiva, de todos e para todos”. Porém, como nota outro padre, o certo é que Francisco nunca precisou exactamente até onde estará disposto a ir em matéria de alterações à doutrina.
Na homilia do último domingo, Francisco reafirmou que o casamento é entre um homem e uma mulher
E os sinais que o Papa vai dando têm sido interpretados de forma contraditória. Apesar de em nenhum momento ter colocado em causa nenhum dogma ou a doutrina instituída, Francisco teve gestos históricos – como quando baptizou, na Capela Sistina, o filho de uma mulher solteira e a filha de um casal casado pelo civil. E até o facto de ter convocado um sínodo para debater uma eventual aproximação da Igreja a novas formas de família é histórico.
“Todos os Papas falaram e escreveram bastante sobre a família, mas nenhum foi tão longe, convocando um sínodo em que se fala abertamente de questões como o acolhimento aos homossexuais”, nota um dos padres.
Antes de a primeira parte do sínodo ter arrancado, no ano passado, Francisco enviou um inquérito aos fiéis de todo o mundo, em que eram colocadas perguntas explícitas sobre divorciados e gays. Na altura, o vaticanista Sandro Magister escrevia que só o facto de a Igreja estar disponível para falar sobre estes assuntos foi suficiente para criar na opinião pública mundial “a ideia de que estas questões estariam em aberto, não só na teoria, mas também na prática”.
Antes, o Papa já tinha feito correr tinta. A 28 de Julho de 2013, no avião de regresso da viagem ao Brasil, referiu-se aos homossexuais, dizendo: “Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgar?”. Na mesma viagem, Francisco abordou também o problema dos católicos divorciados e recasados.
Recordou que a Igreja Ortodoxa permite segundas uniões e acrescentou: “Este é um problema que deve ser estudado”. Três meses depois, era convocado o sínodo sobre a família e, no arranque dos trabalhos, o Papa avisava que todos deveriam dizer o que pensavam e sem tabus: “Uma condição geral de base é esta: falar claro. Que ninguém diga: “isto não se pode dizer, vão pensar isto ou aquilo de mim”.
Devem dizer tudo aquilo que sentem sem cerimónias e timidez”. Anteontem, no arranque da segunda parte dos trabalhos, afirmou que a Igreja não deve ser um “museu de memórias” e precisa de ter “coragem pastoral” para mudar. E há pouco tempo, na visita aos EUA, recebeu em audiência privada um amigo gay e o seu companheiro.
Um Papa conservador Noutros momentos, Francisco foi claro ao reafirmar a doutrina da Igreja Católica. Na missa do último domingo na Basílica de São Pedro, afirmou taxativamente que o casamento é entre um homem e uma mulher: “Este é o sonho de Deus para a sua bem amada criação: a vida realizar-se na união de amor entre um homem e uma mulher”.
E, apesar de ter simplificado os processos de nulidade do casamento, reiterou que o matrimónio é indissolúvel: “Deus uniu o coração de duas pessoas que se amam na unidade e na indissolubilidade”. Por outro lado, sublinha um dos padres que o i ouviu, nas muitas catequeses que o Papa tem dedicado à família, em nenhuma “mostrou qualquer sinal de que pretende alterar o sentido do casamento” católico.
Independentemente daquilo que saia do sínodo, a última palavra e a decisão final é sempre de Francisco. E cada vez mais cresce a ideia de que será pouco provável que haja mudanças profundas.
A forma, a maneira como a Igreja passa a mensagem, pode até ser alterada, mas o conteúdo, a doutrina, deverão manter-se intocáveis, acreditam os padres com quem o i falou. A ser assim, Francisco poderá ser chamado de conservador. Mas também terá sido progressista.