Stress constante. Paranóia constante.” Foi assim que Manu Brabo começou por descrever ao”New York Times” uma das suas aventuras mais recentes, no Verão deste ano, com os gangues de El Salvador. O fotógrafo esteve no país para dar um workshop no jornal independente “El Faro”, mas acabou por ficar mais umas semanas, primeiro para fazer um trabalho para a Associated Press, com quem costuma colaborar, depois para perceber “os efeitos da violência” num dos sítios mais perigosos do mundo e no ano mais mortífero de sempre.
Em Maio deste ano, o número de homicídios em El Salvador (mais de 600) foi o mais alto desde o fim da guerra civil do país, em 1992. A paranóia nas ruas de San Salvador, a capital, é de tal ordem que ali até a cor do cabelo importa.
“Só as namoradas dos membros dos gangues estão autorizadas a ter o cabelo pintado de ruivo ou louro”, explica o fotógrafo espanhol na legenda de uma das suas imagens tiradas em Maio/Junho deste ano. “É por isso que, neste lugar violento, as mulheres estão a correr para os cabeleireiros para desistir do cabelo loiro e das madeixas e pintá-lo de preto – não por questões de moda, mas por medo.”
São algumas destas imagens – também na lista dos melhores ensaios fotográficos de Julho da revista “Time” – que vamos poder ver na primeira edição do Sintra Press Photo, uma exposição dedicada ao tema “Conflito”, que pretende homenagear o trabalho de três fotojornalistas da actualidade, entre eles Manu Brabo, que estará presente na inauguração, no sábado.
Em San Salvador, Manu Brabo decidiu não só acompanhar polícias e militares em perseguições aos gangues (nomeadamente ao Barrio 18 e ao Mara Salvatrucha, os principais activos e dois dos mais perigosos do mundo), como também assistir às operações de Medicina Legal nas cenas de crime e visitar prisões onde 150 pessoas se amontoam numa cela para 20.
“[Ali] não consegues perceber as fronteiras invisíveis entre gangues e entre gangues e a polícia”, explica no blogue fotográfico do “New York Times”. “Estás a arriscar a tua vida noite e dia.”
Arriscar a vida noite e dia parece ser quase a rotina deste fotógrafo nascido em Oviedo em 1981 e que ganhou o Pulitzer em 2013, na categoria de “Breaking News Photography”, juntamente com quatro colegas da agência Associated Press, que com ele cobriram a guerra civil da Síria.
Em Abril de 2011, Manu apanhou um dos maiores sustos quando foi capturado pelo exército líbio com outros jornalistas (entre eles o norte-americano James Foley, que acabou por ser executado pelo Estado Islâmico), para ser libertado um mês depois.
Não deixou de estar presente em zonas de conflito e os seu portfólio passa pela Síria, pelas Honduras, Haiti, Bolívia ou Kosovo. Muitas das suas fotografias estão reunidas na revista online MeMo Magazine, um projecto independente que criou com outros quatro fotojornalistas premiados (Fabio Bucciarelli, Guillem Valle, Diego Ibarra Sánchez e José Colón), financiado essencialmente por crowdfunding.
No Sintra Press Photo vão também poder ser vistas fotografias que fizeram parte da exposição dos Médicos Sem Fronteiras “Ucrânia: O Este à Deriva”, com uma reportagem do início deste ano em Donetsk. Numa delas (em cima, à esquerda), uma mulher de 86 anos avalia os destroços em sua casa depois de um bombardeamento. Noutra, uma mulher de vestido mergulha no lago gelado do parque Sherbakova durante a festa religiosa da Epifania ortodoxa.
SINTRA PRESS PHOTO
Paulo Nunes dos Santos, fotojornalista português a viver na Irlanda desde 2002, será outro dos fotógrafos com trabalhos em exposição nesta primeira edição do Sintra Press Photo. Colaborador do “Expresso”, do “Le Monde” e da “Al Jazeera”, cobriu a Primavera Árabe desde o início da revolta no Egipto, passando pela Líbia e pelo conflito na Síria.
Da Irlanda chega também Ross McDonnell, que combina reportagem fotográfica com retrato e documentário. Uma das suas fotografias de 2014, que capta o caos depois dos confrontos em Kiev, na Ucrânia, foi considerada uma das mais emblemáticas do ano pela revista “Time”.
O Sintra Press Photo acontece pela primeira vez no Museu das Artes de Sintra a partir de sábado, às 17h00. Os três fotógrafos (Manu Brabo, Paulo Nunes dos Santos e Ross McDonnel) vão estar presentes para uma conversa sobre o que é ser repórter de guerra nos dias de hoje.