Da governabilidade: os radicais e os moderados


Uma das principais marcas do Portugal que fomos nestes últimos quatro anos foi a nossa aproximaçãoa um perfil social do Terceiro Mundo.


© Andre Kosters/Lusa

No próximo dia 4 de Outubro, cada eleitor pode votar na coligação PàF que está no governo há quatro anos ou contra a coligação PàF que está no governo há quatro anos.

Quando toda a direita se coliga para governar e decide depois ir a votos coligada, a opção que é colocada ao eleitor é simples: quer ou não quer mais do mesmo? O eleitor responderá se quer Estado social, escola pública, Serviço Nacional de Saúde e Segurança Social públicos, universal e tendencialmente gratuitos ou se, pelo contrário, quer ver privatizado o acesso a esses serviços. 

Uma das principais marcas do Portugal que fomos nestes últimos quatro anos foi a nossa aproximação a um perfil social do Terceiro Mundo, ao aumentar de forma acintosa o desequilíbrio entre os pobres e os ricos, eliminando pelo meio a classe média. Numa palavra, a distribuição dos sacrifícios e da pouca riqueza criada é hoje mais assimétrica, beneficiando os rendimentos do capital e penalizando os rendimentos do trabalho. 

A coligação PàF vem fazendo o discurso de que ou obtém uma maioria que lhe permita voltar a governar sozinha ou “vêm aí os radicais!”. Como se não fosse suficientemente radical aprovar quatro Orçamentos do Estado inconstitucionais, vender em saldo o sector empresarial do Estado – da ANA à TAP, dos Correios à EDP; despojar mais de dois milhões de funcionários públicos, reformados e pensionistas de cerca de 30% do seu rendimento; convidar mais de 400 mil pessoas a emigrar; e desmantelar partes importantes da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social, garantindo para o sector privado partes interessantes do negócio.

Por tudo isso, se depois do exercício inconstitucional que lideraram durante os últimos quatro anos, só possível graças à cumplicidade dolosa de um Presidente da Republica vazio, esta coligação fosse reeleita, a leitura que faria dos resultados seria muito simples: o eleitorado português deu luz verde ao desmantelamento do Estado social e à privatização dos sectores estratégicos da economia nacional.

Ao contrário do que nos quer fazer crer o discurso dominante da propaganda, no próximo dia 4 não estaremos a escolher um primeiro-ministro, mas os deputados que compõem o parlamento. Caberá depois ao Presidente da República, ouvindo os partidos, convidar a formar governo a pessoa mais bem colocada para fazer aprovar um programa de governo e um Orçamento. 

O resultado eleitoral mais provável do próximo domingo parece ser uma vitória da esquerda com cerca de dois terços dos votos, contra a direita, com cerca de um terço, e uma maioria simples de uma das forças liderantes: o PS ou a coligação PàF. Neste cenário, o mais óbvio é o líder do PS, partido com o maior grupo parlamentar, ser convidado a formar governo. Num parlamento com dois terços dos deputados de esquerda, que sentido faria ter um governo de direita? Alguém pensa possível que o Livre, o BE, a CDU ou o PS aprovem ou sequer se abstenham na votação do programa de governo e Orçamento da PàF?

Não havendo qualquer possibilidade de a coligação PàF obter mais apoio parlamentar, sabendo-se que este Presidente já não pode convocar novas eleições e que o seu sucessor só toma posse a 9 de Março, a escolha do próximo primeiro-ministro tem de assentar no apoio parlamentar dos dois terços dos deputados de esquerda, para evitar lançar o país numa crise de ingovernabilidade praticamente até ao final de 2016. 

Ao longo dos últimos 41 anos de democracia, a direita beneficiou de uma espécie de seguro de vida que foi a incapacidade da esquerda de se entender para viabilizar programas de governo e Orçamentos do Estado, o que, por vontade própria ou ausência de alternativa, empurrou o PS para governar à direita. Agora, e uma vez que a direita se apresenta coligada, a esquerda será chamada a mostrar que um parlamento com dois terços de deputados à esquerda pode, de facto, conduzir uma política patriótica de esquerda, mesmo no respeito pelas actuais regras do euro e do Pacto de Estabilidade, até que elas sejam alteradas por um novo equilíbrio de forças na União Europeia. 

O eleitorado de esquerda não perdoaria aos dirigentes políticos e aos deputados de esquerda que desperdiçassem esta oportunidade e o país não aguentaria mais quatro anos disto. 

Arquitecto 

Ex-director de campanha de Sampaio da Nóvoa

Da governabilidade: os radicais e os moderados


Uma das principais marcas do Portugal que fomos nestes últimos quatro anos foi a nossa aproximaçãoa um perfil social do Terceiro Mundo.


© Andre Kosters/Lusa

No próximo dia 4 de Outubro, cada eleitor pode votar na coligação PàF que está no governo há quatro anos ou contra a coligação PàF que está no governo há quatro anos.

Quando toda a direita se coliga para governar e decide depois ir a votos coligada, a opção que é colocada ao eleitor é simples: quer ou não quer mais do mesmo? O eleitor responderá se quer Estado social, escola pública, Serviço Nacional de Saúde e Segurança Social públicos, universal e tendencialmente gratuitos ou se, pelo contrário, quer ver privatizado o acesso a esses serviços. 

Uma das principais marcas do Portugal que fomos nestes últimos quatro anos foi a nossa aproximação a um perfil social do Terceiro Mundo, ao aumentar de forma acintosa o desequilíbrio entre os pobres e os ricos, eliminando pelo meio a classe média. Numa palavra, a distribuição dos sacrifícios e da pouca riqueza criada é hoje mais assimétrica, beneficiando os rendimentos do capital e penalizando os rendimentos do trabalho. 

A coligação PàF vem fazendo o discurso de que ou obtém uma maioria que lhe permita voltar a governar sozinha ou “vêm aí os radicais!”. Como se não fosse suficientemente radical aprovar quatro Orçamentos do Estado inconstitucionais, vender em saldo o sector empresarial do Estado – da ANA à TAP, dos Correios à EDP; despojar mais de dois milhões de funcionários públicos, reformados e pensionistas de cerca de 30% do seu rendimento; convidar mais de 400 mil pessoas a emigrar; e desmantelar partes importantes da escola pública, do Serviço Nacional de Saúde e da Segurança Social, garantindo para o sector privado partes interessantes do negócio.

Por tudo isso, se depois do exercício inconstitucional que lideraram durante os últimos quatro anos, só possível graças à cumplicidade dolosa de um Presidente da Republica vazio, esta coligação fosse reeleita, a leitura que faria dos resultados seria muito simples: o eleitorado português deu luz verde ao desmantelamento do Estado social e à privatização dos sectores estratégicos da economia nacional.

Ao contrário do que nos quer fazer crer o discurso dominante da propaganda, no próximo dia 4 não estaremos a escolher um primeiro-ministro, mas os deputados que compõem o parlamento. Caberá depois ao Presidente da República, ouvindo os partidos, convidar a formar governo a pessoa mais bem colocada para fazer aprovar um programa de governo e um Orçamento. 

O resultado eleitoral mais provável do próximo domingo parece ser uma vitória da esquerda com cerca de dois terços dos votos, contra a direita, com cerca de um terço, e uma maioria simples de uma das forças liderantes: o PS ou a coligação PàF. Neste cenário, o mais óbvio é o líder do PS, partido com o maior grupo parlamentar, ser convidado a formar governo. Num parlamento com dois terços dos deputados de esquerda, que sentido faria ter um governo de direita? Alguém pensa possível que o Livre, o BE, a CDU ou o PS aprovem ou sequer se abstenham na votação do programa de governo e Orçamento da PàF?

Não havendo qualquer possibilidade de a coligação PàF obter mais apoio parlamentar, sabendo-se que este Presidente já não pode convocar novas eleições e que o seu sucessor só toma posse a 9 de Março, a escolha do próximo primeiro-ministro tem de assentar no apoio parlamentar dos dois terços dos deputados de esquerda, para evitar lançar o país numa crise de ingovernabilidade praticamente até ao final de 2016. 

Ao longo dos últimos 41 anos de democracia, a direita beneficiou de uma espécie de seguro de vida que foi a incapacidade da esquerda de se entender para viabilizar programas de governo e Orçamentos do Estado, o que, por vontade própria ou ausência de alternativa, empurrou o PS para governar à direita. Agora, e uma vez que a direita se apresenta coligada, a esquerda será chamada a mostrar que um parlamento com dois terços de deputados à esquerda pode, de facto, conduzir uma política patriótica de esquerda, mesmo no respeito pelas actuais regras do euro e do Pacto de Estabilidade, até que elas sejam alteradas por um novo equilíbrio de forças na União Europeia. 

O eleitorado de esquerda não perdoaria aos dirigentes políticos e aos deputados de esquerda que desperdiçassem esta oportunidade e o país não aguentaria mais quatro anos disto. 

Arquitecto 

Ex-director de campanha de Sampaio da Nóvoa