Só cinco restaurantes e pastelarias servem produtos sem glúten

Só cinco restaurantes e pastelarias servem produtos sem glúten


Este país não é para celíacos. Principalmente fora de casa.


Com 20 anos, André distribuía 47 quilos pelos seus 1,77 metros. “Sempre fui magro, mas a perda de peso começou a ser assustadora”, conta ao i. Ao baixo peso juntava-se um cansaço crónico e um mal-estar que surgia sempre no final de cada refeição. Passou a evitar os condimentos e os molhos e optava por comer apenas sandes e massas simples, sem saber que eram exactamente essas as escolhas que o estavam a prejudicar. Só depois de várias análises, endoscopias e biopsias é que André descobriu que era celíaco e, por isso, intolerante ao glúten, uma proteína encontrada precisamente no trigo, no centeio e na cevada que André andava a consumir sem controlo. 

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A doença afecta entre 1 e 3% – entre 10 a 15 mil – dos portugueses mas estes são apenas os casos com diagnóstico confirmado. Estima-se que o número real chegue aos 100 mil doentes. Daniela Afonso, dietista da Associação Portuguesa de Celíacos (APC) lembra que cerca de 85% desconhecem que sofrem da doença, até porque só recentemente deixou de ser vista como uma patologia pediátrica.

Se os supermercados já permitem encher as prateleiras da despensa com produtos isentos de glúten, a oferta de restaurantes e pastelarias limita-se a cinco estabelecimentos em todo o país.

“Se nas crianças os sintomas são os clássicos: diarreia, barriga distendida e atraso no crescimento, nos adultos, os sintomas são atípicos e relacionados com órgãos que não os do sistema digestivo”, explica ao i. Anemia, osteoporose, fertilidade diminuída, depressão e dores ósseas são alguns dos sinais que, por serem camuflados em tantos outros diagnósticos, dificultam a descoberta da doença.

Apesar de não ter cura, o tratamento é aparentemente fácil: basta adoptar uma dieta isenta de glúten. Mas se a oferta hoje em dia já passa por prateleiras de supermercados com partes dedicadas inteiramente a celíacos, há catorze anos quando André foi diagnosticado, a situação era bem diferente.

“Só conseguia fazer compras em farmácias ou dietéticas”, conta, lembrando a diferença abrupta de preços com a qual aprendeu a lidar. Mesmo hoje em dia, os valores estão longe de serem semelhantes aos tradicionais: um estudo da APC provou que os produtos sem glúten são 2,5 vezes mais caros que os tradicionais. Se dúvidas houvesse quanto a esta conclusão, basta passar os olhos pela prateleira de um hipermercado para ver que um pacote de esparguete tradicional custa 0,75€, quando o produto da mesma marca mas sem glúten chega a custar 1,99€.

Jantar fora

Quando o glúten ainda não era uma palavra conhecida da maioria, produtos do género só estavam disponíveis em dietéticas e, mais tarde, em lojas como o Celeiro e o Brio. Com os anos, o aumento da procura por produtos isentos de glúten fez com a loja Brio de Picoas autonomizasse uma secção inteiramente dedicada a celíacos. Ana Nunes, gerente da loja, explica que os produtos mais vendidos continuam a ser as massas, bolachas e farinhas, apesar da lista de produtos chegar a coisas tão pouco óbvias como papas de bebé, cerveja e até comida para animais. 

“É incrível a quantidade de coisas que não imaginamos que têm glúten”, desabafa Rosa Paiva, que com a doença da filha aprendeu a ler rótulos como ninguém. “Demoro imenso tempo no supermercado”, confessa entre risos. A filha Alice tem actualmente onze anos, mas o diagnóstico chegou com apenas dez meses, quando os pais repararam que tinha simplesmente parado de crescer.

A sorte de lidarem com um pediatra familiarizado com a doença facilitou o diagnóstico e bastou entrar no consultório de gastrenterologia para que a médica detectasse os sintomas: a pele baça, o pouco cabelo e a barriga distendida de Alice denunciavam o problema digestivo. Com o diagnóstico feito, chegou a hora das alterações em casa. A cozinha da família passou a ter duas torradeiras, duas manteigueiras, passou-se a ter cuidado com os utensílios usados para cozinhar e, para evitar contaminações – “e para que a Alice não se sinta diferente” – se o jantar é esparguete à bolonhesa, todos comem massa sem glúten.

Apesar de conhecer a doença, os sintomas e ter uma lista mental do que pode ou não comer, Alice não deixa de ter apenas onze anos e com eles, as crises existenciais. “Quando ela começa a perguntar ‘porquê eu?’, eu desdramatizo e digo que ela pode comer tudo o que for saudável, ou seja, carne, frutas, legumes. O pão, a massa e as bolachas não são essenciais para ninguém”, refere Rosa.

Se em casa a alimentação é controlada, tudo muda quando um celíaco decide fazer algo tão simples como jantar fora. “Ir a um restaurante pode ser um drama”, confessa André. Se decide comer sopa num restaurante normal tem de perguntar se leva farinhas ou batatas congeladas.

“Dizem-me que não, mas depois trazem-me sopa com massinhas”, conta, a recordar uma das últimas tentativas. É por isso que prefere os vegetarianos que, apesar de terem pratos com glúten, são mais atentos com os ingredientes e conseguem aconselhar as melhores opções para os celíacos.

Com apenas dois restaurantes certificados em Portugal pela Associação de Celíacos, a opção passa por recorrer àqueles que são recomendados por outros doentes e que, apesar de terem algumas opções para celíacos, não é garantida a não contaminação por outros produtos com glúten nas cozinhas. 

Num restaurante normal, Rosa sabe que vai levar com olhares de estranheza às questões que chegam logo com o couvert. “As batatas fritas são congeladas? Qual é a fritadeira que usam? O bife vem com molho?” Também os empregados do McDonalds ainda não se habituaram a ver um pedido de hambúrguer sem pão. “Perguntavam-me sempre o porquê de levar só a carne se tinha que pagar o menu completo.”

A boa notícia para Alice chegou este Verão, com a notícia de que a cadeia de fast food já tem hambúrgueres sem glúten. “Foi óptimo poder fazer um pedido sem restrições e ver a cara de (ainda maior) satisfação dela a comer o mesmo que todos os outros da mesa.”