Adeus


A humanidade é um pouco como a alforreca com que acabo de me cruzar a caminho do mar: vista sob uma certa luz até se vislumbra alguma beleza.


Clara Silva

Pode eventualmente ser o meu último dia de praia, mas é certamente a minha última crónica. Era bonito que coincidisse com um Outono a preceito porque a meteorologia dá pano para mangas compridas e podia meter para aqui "o cheiro a terra molhada" mas continuo a rapar o tacho do Verão. Vou pedir a nostalgia emprestada aos futuros dias cinzentos para redigir esta despedida.

Por falar nisso, quero pedir desculpa por ter deturpado o nome desta coluna – Futudologia – até porque, há dias, um taxista reconheceu-me o trombil acima e perguntou-me de onde raio tinha vindo esta palavra. Nem eu sabia bem responder-lhe dado o recuo temporal dessa ambiciosa premissa: mandar palpites sobre o futuro de tudo. A verdade é que me limitei, na maior parte das vezes, a dissecar isto que é o estágio – e será, creio até morrer -, sobretudo através da montra das redes sociais.

Uma montra que, por sinal, padece de péssimo vitrinismo já que revela o pior de nós. Mas não me quero despedir neste tom sombrio. A humanidade é um pouco como a alforreca com que acabo de me cruzar a caminho do mar: vista sob uma certa luz até se vislumbra alguma beleza.

Foi bom. Quer dizer, nem sempre. Há quem ache que é um luxo isto de escrever o que me apetece – na praia, ainda por cima, obsceno – mas, muitas vezes, foi tirado das vísceras com um gancho. Acreditem que dói um bocado. Com receio de "o que fez esta para merecer escrever", foquei-me "no que pode fazer esta para vos entreter".

Posso ter-me desviado desta missão no sentido de transformar as entrelinhas desta crónica no meu querido diário, mas saibam que nunca mandei recados. Parece que se usa fazer isso agora: já repararam na quantidade de gente mal amada que partilha textos passivo-agressivos de um site chamado "Já Foste"? Se disfarcei a experiência pessoal, foi para torná-la mais transversal. Não falei da minha vida mas através da minha vida.

Sim, claro que foi bom. E agora vou para ali viver mais um bocadinho porque, como costumam dizer os dissidentes que geralmente não deixam saudades: nunca se sabe, pode sempre ser "um até já".

Apresentadora, guionista, porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado