O Papa insistiu que é preciso acolher imigrantes e refugiados e chegar a um acordo “urgente” sobre as alterações climáticas. “A América continua a ser uma terra de sonhos”, afirmou
O discurso durou 40 minutos e foi interrompido várias vezes por aplausos entusiastas dos congressistas americanos. Mas na hora de aplaudir em pé, alguns republicanos preferiram não se mexer das cadeiras. O discurso histórico que o Papa fez ontem no Capitólio – foi a primeira vez que um líder da Igreja Católica falou no congresso dos EUA – acabou por se tornar num momento incómodo para a maioria republicana.
Além de ter pedido o fim da pena de morte e da venda de armas, Francisco deixou um recado sério aos que, como o republicano Donald Trump, têm insistido numa reforma das leis da imigração e na necessidade de expulsar imigrantes do país. Recordando a marcha de Luther King, Francisco disse-se “feliz por a América continuar a ser, para muitos, uma terra da sonhos”. “Não tenhamos receio de estrangeiros, porque a maior parte de nós já foi estrangeiro”, continuou o Papa.
Boa parte da intervenção de ontem no Capitólio centrou-se aliás na questão da imigração e dos refugiados, com o Papa a pedir que não se repetiam “erros do passado”. “O mundo de hoje enfrenta uma crise de refugiados de uma magnitude nunca vista desde a II Guerra Mundial. Não podemos ver os refugiados como números. Devemos vê-los como pessoas, fixando os seus rostos, escutando as suas histórias e respondendo de forma justa, humana e fraterna”, apelou.
Francisco insistiu na aplicação de uma “regra de ouro” que deve ser tida em conta nas sociedades e na sua administração: “Faz aos outros aquilo que gostarias que te fizessem a ti”.
“Tratemos os outros com a mesma paixão e compaixão com que queremos ser tratados. Busquemos para os outros as mesmas oportunidades que desejamos para nós. Se queremos segurança, ofereçamos segurança. Se queremos vida, ofereçamos vida. O pau que usarmos para os outros é o pau que o tempo usará connosco”, avisou.
O discurso de Francisco estruturou-se em torno de quatro personalidades americanas que, enfrentando crises, “encontraram forças para avançar com dignidade”: Abraham Lincoln, Martin Luther King, Dorothy Day e Thomas Merton. E não demorou muito até que o Papa tocasse no tema das famílias.
Os EUA aprovaram recentemente o casamento homossexual e Francisco não deixou de mostrar “preocupação” em relação às “ameaças” que as famílias americanas enfrentam: “As bases do casamento e da família, que são a base da sociedade, estão a ser postas em causa”.
E as palavras incómodas continuaram, com o Sumo Pontífice a defender um acordo para resolver o problema das alterações climáticas. “Precisamos de conversar, todos, sobre os desafios ambientais que enfrentamos. Chegou a altura de implementar uma cultura de cuidado, restaurando a dignidade dos excluídos e protegendo a natureza”, apelou o Papa, insistindo na mensagem da encíclica sobre Ecologia que recentemente publicou, “Laudato si”.
Pelo meio, Francisco também recordou aos congressistas que a política “deve servir a pessoa humana e não pode ser escrava da economia e da finança”, existindo para responder “à necessidade imperiosa de, em conjunto, construir o bem comum.
E, voltando a referir-se à “regra de ouro”, lembrou que é “responsabilidade” de todos “defender a vida humana em todas as suas fases de crescimento” – numa alusão ao aborto, que é permitido nos EUA – e pediu a abolição da pena de morte: “Esta convicção tem-me conduzido desde o início: a abolição global da pena de morte é o melhor caminho, porque todas as vidas são sagradas e a sociedade só pode beneficiar da reabilitação dos condenados”.
Cá fora, o Papa Francisco tinha à sua espera uma multidão e uma das primeiras reacções ao seu discurso foi do pré-candidato republicano à presidência americana Donald Trump – que há uns meses se comparou ao Papa: “É humilde como eu”.
“Acho que as suas palavras foram belíssimas e respeito o Papa e gosto muito dele, mas também acho que os EUA estão a enfrentar problemas graves ligados à imigração”, reagiu o magnata à CNN, acrescentando: “Já ganhei vários prémios ambientais e não acredito nas alterações climáticas”.