Muito mais é o que os une que aquilo que os separa. O Papa Francisco e Obama – que, apesar de ser cristão, não é católico – mostraram ontem, no encontro oficial nos jardins da Casa Branca, sintonia em relação a temas como a imigração, as alterações climáticas ou Cuba.
O líder da Igreja Católica e o presidente americano trocaram elogios e não esconderam a convergência de pontos de vista, mas também ficou claro, no primeiro de seis dias da visita papal aos EUA, que há matérias em que as “administrações” de Francisco e Obama são divergentes.
A seguir à recepção na Casa Branca, o Papa falou aos bispos americanos na Catedral de São Mateus, ainda em Washington, e não deixou de condenar explicitamente o aborto – num país onde é permitido interromper a gravidez e o mesmo que, em Julho, legalizou o casamento gay.
Antes disso, a tournée americana arrancou bem cedo pela Casa Branca. O Papa foi recebido numa cerimónia oficial de boas-vindas. Em inglês, dirigiu–se a Obama e elogiou a liberdade religiosa nos EUA – “uma das conquistas mais valiosas da América”. Apresentou-se como “filho de emigrantes” e saudou o país “construído em grande parte por famílias semelhantes” à sua.
A imigração, como se esperava, foi central no discurso, com o Papa a apelar à construção de uma sociedade “verdadeiramente tolerante e inclusiva” que rejeite “qualquer forma de discriminação injusta”. Depois, elogiou os esforços de Obama no sentido de reduzir a poluição, reafirmando – como na encíclica “Laudato si”, que apresentará amanhã na ONU – a necessidade de trabalhar o problema das mudanças climáticas. Uma tarefa que, diz, “já não pode ser remetida para as gerações futuras”.
Já Barack Obama admitiu que os EUA apoiam a mensagem de Francisco de defesa dos cristãos e de minorias religiosas. “Aqui prezamos a liberdade religiosa, mas à volta do mundo, e neste preciso momento, filhos de Deus, incluindo cristãos, são atacados, até mortos, por causa da sua fé”, sublinhou o líder, antes de agradecer a mediação do Vaticano na reaproximação diplomática a Cuba – “um novo começo com o povo cubano”. A seguir aos discursos, os dois líderes recolheram à Sala Oval para uma conversa privada.
Críticas No encontro com os bispos americanos, Francisco endureceu o discurso e recordou as “vítimas do aborto” e o drama dos imigrantes, avisando que os EUA também têm “responsabilidade moral” nos “problemas desafiadores” actuais. “A vítima inocente do aborto, as crianças que morrem de fome ou sob as bombas, os imigrantes afogados em busca de um amanhã, os idosos ou os doentes que olhamos sem interesse, as vítimas do terrorismo, das guerras, da violência e do narcotráfico, o meio ambiente devastado por uma relação predatória do homem com a natureza…
Em tudo isto está sempre em jogo o dom de Deus, do qual somos administradores nobres, mas não patrões”, disse, acrescentando que os EUA têm “consideráveis responsabilidades morais num mundo transtornado que, a custo, procura novos equilíbrios de paz, prosperidade e integração.”
No mesmo discurso, já em italiano, o Papa falou dos casos de pedofilia que abalaram também a Igreja americana. “Momentos obscuros” e crimes que “nunca mais devem repetir-se”, avisou, antes de fazer referência ao “notável crescimento” da Igreja nos EUA – o quarto país do mundo com mais católicos, a seguir ao México, Filipinas e Brasil.
Da parte da tarde, o Papa presidiu à canonização de Junípero Serra, frade franciscano que fundou uma cadeia de missões na Califórnia. A elevação a santo tem merecido críticas de descendentes de povos originários daquele estado, que defendem que o frade destruiu as suas culturas e foi responsável pela morte de alguns dos seus antepassados.
Hoje, Francisco cumprirá mais um dia no EUA. Vai discursar no Congresso e depois segue para Nova Iorque, onde visitará a Catedral de St. Patrick.