Patti Smith. Vamos com ela para qualquer parte, para toda a parte

Patti Smith. Vamos com ela para qualquer parte, para toda a parte


No Coliseu dos Recreios a americana deu-nos muito mais que um concerto.


Naquele balcão rápido perto do Coliseu, o simpático empregado dizia-nos “este sai depressa que o concerto é bom”. Feito, sem demoras: serviço rápido e um concerto ainda melhor (muito melhor) que aquele aviso que nos deram em cima da hora.

Sala cheia para duas horas de júbilo. Patti Smith a dizer-nos – só mais uma vez, ou até ao próximo encontro, vá – que quando formos grandes nunca vamos ser como ela; se já somos crescidos então estamos certos que nunca lá vamos chegar. E é essa mania de ser maior que tudo o que nos chega do palco que nos conforta.

Precisamos de gente maior que tudo resto para nos dizer o que é certo e errado. Patti Smith faz isso como poucos. Na verdade, ali naquele concerto estávamos certos de que o faz como mais ninguém.

Uma noite para recordar “Horses”, lado A e lado B, foi ela quem o disse. Um disco com quarenta anos que vive de tudo menos de memória. Dá-nos nervo se o pomos a tocar em qualquer parte, um nervo que não tem nenhuma data carimbada – quando ali o vemos a acontecer ao vivo não nos larga mais.

Se não, vejamos, isto é fazer as contas: “Gloria”, como no alinhamento de 1975, a começar para não nos deixar fugir, estamos tão miseráveis por não ter vivido aquilo quando veio ao mundo como estamos contentes porque percebemos que não se perdeu nada, apenas a epifania ganhou mais gente e mais corpo.

O Verão de cidade que é “Redondo Beach” mais “Birdland”, Patti de óculos, para nos ver melhor – não é nada para ler, é para ver quem somos e de onde viemos, claro que é. Pedimos desculpa pelo preconceito, mas são 68 anos com uma voz que não falha, nunca aparece manca, só cresce e cresce. Mulher, como é que isso se faz?

© Walter Bieri/AP

Enfim, não temos tempo para isso. “Free Money”, punho no ar de uma eterna revolução, sem campanha que isto só pode ser assim. Patti Smith é toda ela um manifesto, de vontade e de criatividade. E é um interminável poço de energia. Não é energia de coitadinhos, não é “olha para aquilo, tanta força”. Parem com isso. É fogo, apostamos tudo que ela queima – e ganhamos.

“Land” e os cavalos que correm mesmo. A emoção feita de mel vira pulhice punk, um lamaçal santo, esta canção não pára nunca, não pode parar. Vamos todos fazer uma banda? Vamos? Ah, minha nossa. “Não deixem que vos roubem a energia”, pede-nos. Quem dera que o senhor daquele balcão aqui estivesse. Porque connosco está a segunda parte de “Gloria” – qual é o êxtase melhor que este que agora assim de repente não nos lembramos? – e “Elegie”. Fim de disco a recordar gente ida, nem por isso (nada) esquecida.

Acabava aqui e fugíamos para junto de quem não esteve lá para explicar que “pá, foi incrível”. Mas nada disso. Intervalo só para Patti Smith, por nós tudo bem. Lenny leva o Patti Smith Group a dizer “parabéns” aos 50 anos dos Velvet Undergound.

Um medley com “Rock & Roll”, “I’m Waiting For My Man” e “White Light White Heat” porque sim. Tudo bem, venham daí. Mas só para Patti voltar, só para isso. Há mais, entre “Because The Night” e a paixão eterna por Fred Sonic Smith e “People Have The Power”. E nós sempre seguros que nada daquilo é conversa fiada, nada. Liberdade agora, no tempo certo. Patti parece que sabe ao que vamos e do que é que somos feitos. Xamã para todas as classes, bastava olhar em volta. A nossa auto-ajuda vinha do palco. Saindo dali, vai na volta ainda somos capazes de tudo.

Adeus e um encore, “My Generation” dos The Who. Esteve um amplificador e uma guitarra à espera de Patti Smith durante todo o concerto para isto, para saudar a distorção, rebentar com as cordas e dizer-nos “vão em paz” como se aquela geração que nos cantou fosse só uma, noves fora nada. Relembrou-nos naquele momento que o rock’n’roll salva. Um obrigado e um ámen.