As mesas ainda estão por levantar, até porque houve almoçarada. “Um associado fez aí uma caldeirada muito jeitosa e juntámo-nos, um grupo de reformados”, conta Virgílio Teixeira, de 69 anos, o presidente do Grupo Sportivo Adicense. “Depois faz-se um joguinho de sueca.” Desta vez, Virgílio não pode juntar-se à sueca porque combinou mostrar-nos a colectividade em Alfama prestes a cumprir 100 anos, a 26 de Janeiro. “Estou convencido de que vão ser festas de arromba por Lisboa inteira”, comenta, mas já lá vamos.
Por enquanto estamos no fim do almoço e até há quem desaperte os botões da camisa para ficar mais à vontade. Está tudo em casa e numa casa de Alfama, onde Virgílio cresceu “às portas do Adicense”. O nome do clube vem da rua onde foi fundado, no mesmo sítio onde ainda hoje funciona a sede, muito procurada em dias de bola. “Na Rua da Adiça”, continua, “que entretanto foi dividida ao meio e tem uma parte chamada Rua Norberto de Araújo, em homenagem ao poeta que escreveu muito sobre Alfama.” Em 1956, e quando Norberto de Araújo morreu, dividiram a rua em duas. “Só que o clube passou a ficar fora da Rua da Adiça.”
Não houve problema até porque, agora, o Adicense já ganhou mais um edifício, na Rua de São Pedro, onde há espaço para juntar toda a gente em noites de fado, para ter um ginásio com um ringue de boxe e até para alojar as dezenas de troféus que o grupo tem vindo a ganhar durante quase um século.
Quando foi fundado, “por um grupo de 11 rapazes do bairro”, o objectivo do Adicense era “fugir às tabernas, porque não havia outro entretenimento”, explica Virgílio. Os sócios começaram então a entreter-se com outras coisas, entre elas o ténis de mesa, uma novidade na altura. “O associado número um da Associação de Ténis de Mesa era o Grupo Sportivo Adicense. Só depois é que apareceram o Benfica e o Sporting.”
NATAÇÃO NO TEJO
Outra das modalidades com maior fama era a natação, que entretanto já não é praticada no grupo. “Tínhamos umas escolas de natação que não havia em Portugal. Funcionavam no Tejo, na doca do Jardim do Tabaco”, e as equipas costumavam ganhar bastantes torneios.
“Ora veja esta taça. Reconhece este símbolo? É o símbolo monárquico.” O presidente do Adicense ergue uma taça, que um dia destes vai para arranjo – “infelizmente, um rapazinho daqui pegou-lhe mal e descolou-se” –, onde se lê Taça Príncipe das Beiras, 1953-56. “Foi o D. Duarte de Bragança, que na altura devia ter uns cinco anos, a entregá-la nuns festivais de natação em Algés.”
As conquistas do clube percorrem as outras prateleiras, com taças de várias formas e feitios, do futebol à pesca desportiva, sem esquecer o ténis de mesa. A natação, essa, foi esquecida pouco depois de as águas no Tejo se tornarem impróprias para banhos. “Ainda fizemos natação na Penha de França, mas já era muito caro e não tínhamos possibilidades. Nos anos 80, isso acabou.”
CAROLICE
Hoje em dia, o clube tem perto de “220, 240” associados, de Alfama e fora do bairro, e a quota mensal é de 50 cêntimos – um valor simbólico, já que uma parte significativa das receitas do clube só chega em Junho, com o famoso arraial dos Santos Populares, no largo junto à sede. “Se não fosse a carolice de alguns associados, isto já tinha fechado”, comenta Virgílio.
É por “carolice” também que muitos fadistas amadores vêm ao clube cantar. “Houve muitos fadistas profissionais que nasceram aqui. Ganharam grandes prémios da Amália, mas antes andaram aqui a servir às mesas”, conta. O clube é conhecido pelas tardes de fado, de 15 em 15 dias, das mais autênticas de Alfama e que chegam a juntar mais de 150 pessoas na mesma sala onde – agora sim – se começam a levantar as mesas do almoço de caldeirada.
Infelizmente, poucos dos fadistas profissionais ainda cantam no clube – pelo menos de graça. “Temos uma grande fadista que nasceu aqui atrás e que, sempre que lhe pedimos para vir aqui cantar, ela diz que não pode por causa do agente. Mas é assim…”
Nessas tardes de fado, que acontecem ao domingo para não “fazer concorrência às casas de fado profissional” das redondezas, costuma cobrar-se a entrada, principalmente para “pagar ao guitarra e ao viola”. “Temos de lhes pagar e não é pouco”, diz Virgílio. Já os fadistas amadores, muitos cantam de graça, “por gosto e com alma”. E por falar nisso, e a propósito do centenário, o Adicense está a planear uma “grande tarde de fados no Teatro São Luiz”, em Janeiro.
KICKBOXING
Quem não está para grandes fados pode virar-se para outra actividade. Por exemplo, para o kickboxing, muito popular entre os mais novos. Mas também há muay thai, musculação, boxe, futebol ou atletismo. “Tudo começou com um projecto que apresentei à direcção para preencher os tempos livres dos miúdos do bairro e prevenir comportamentos de risco associados à droga”, conta Paulo Cardoso, agora director desportivo do Adicense.
Resultado: até já há medalhas de ouro conquistadas pelos miúdos em campeonatos do mundo.