Feira da Luz


Um amigo convidou-me para uma sessão fotográfica num sítio em Lisboa à minha escolha para o seu blog "Lisboa, Menina ou Moça". Se há coisa que me custa é fixar o olhar numa câmara – pois, diz ela que trabalha na televisão. Mas é verdade: é muito diferente estar em frente a uma câmara a…


Um amigo convidou-me para uma sessão fotográfica num sítio em Lisboa à minha escolha para o seu blog "Lisboa, Menina ou Moça". Se há coisa que me custa é fixar o olhar numa câmara – pois, diz ela que trabalha na televisão. Mas é verdade: é muito diferente estar em frente a uma câmara a falar de qualquer coisa que vos distraia de mim do que ter toda a atenção de uma objectiva focada no meu silêncio. Calada tenho medo do que as pessoas possam descobrir sobre mim. Socialmente, julgo que se passa a mesma coisa: falar disfarça a timidez, estar calada revela o constrangimento. Pelo menos, comigo é assim.

Mas lá aceitei fazer a sessão e encontrei no cenário uma defesa. Queria diluir-me nele de alguma forma. Não queria ficar bonita numa rua de um bairro típico. Queria ficar como me sinto a maior parte do tempo: esquisita num mundo estranho. Uma harmonia que consegui encontrar num dos meus sítios sazonais preferidos de Lisboa: a Feira da Luz.
A Feira da Luz assenta arraiais no Largo da Luz, em Carnide, durante o mês de Setembro. Nos últimos anos, tem recebido artistas de renome como Quim Barreiros ou Ruth Marlene mas convenhamos: o que realmente interessa ali são as loiças e os plásticos. Desde pequena que, por causa desta feira, me fascinam as pilhas de baldes e alguidares – antes vendidos com altifalante a "50 escudos cada peça" -, os dálmatas e as águias do Benfica. Em casa da minha mãe mantêm-se há muitos anos dois suportes de piaçaba comprados na Feira da Luz: um do Bucha, outro do Estica, toscamente pintados. Não sabemos bem dizer se são bonitos, mas lembro-me de parecerem irresistíveis. Desta vez, nas rifas, ganhei uma almofada da Minnie recheada de grumos de espuma muito rijos. Descobri, a propósito, que há quem prefira um bom aglomerado de grumos à velha almofada de penas.

Tudo na Feira serve para alguma coisa. É sempre preciso mais uma saladeira, um ralador, uma faca jeitosa para descascar fruta. E depois, bom, nem tudo o que se vende ali é propriamente bonito, mas nada contém mais verdade do que uma má imitação do verdadeiro mau gosto: ao lado da águia do Benfica, um buda pintado de vermelho e purpurinas arma-se na arte moderna que se vende nas lojas de decoração mais pretensiosas. E eu, no meio disto tudo, uma má imitação de uma pessoa que não gosta de ser fotografada, até fiquei bonita. 

Guionista, apresentadora e porteira do futuro

Escreve à sexta e ao sábado