Se caviar é sobejamente conhecido entre as iguarias associadas à culinária russa, tanto que atravessou séculos e regimes, talvez o mesmo não se possa dizer da culinária dos tempos soviéticos. É isso que Olga e Pavel Syutkin propõem desvendar no livro “CCCP Cook Book”, da editora Fuel, onde ao longo de 192 páginas falam não só de receitas como da história que as contextualiza.
São apresentados 60 pratos, acompanhados de textos introdutórios e de imagens dos livros de receitas soviéticos originais. O racionamento, o acesso limitado da população a produtos alimentares e as dificuldades economómicas são apontados pelos autores como alguns dos factores que condicionaram e aguçaram o engenho nas cozinhas soviéticas.
Enquanto o caviar passou a ser uma iguaria de luxo apenas acessível a uma elite, o cidadão comum tentava inventar receitas com o que tinha à mão. “CCCP Cook Book” mostra essas duas realidades, através das refeições básicas de subsistência aos pratos extravagantes dos banquetes servidos pelos políticos, passando pelos clássicos que atravessaram várias épocas e até fronteiras, como o strogonoff.
Mas o livro acompanha também a evolução das condições económicas durante o período soviético, o fim da II Guerra Mundial e a consequente alteração de hábitos. Nos anos 50 começam a aparecer novos bolos nas pastelarias e um deles acabaria mesmo por se tornar num clássico mundialmente famoso, quando em 1978 Vladimir Guralnik, chefe de pastelaria criou a versão, com certificado de autor, do bolo que ficou conhecido como “Leite de Pássaro”, feito com pão-de-ló, leite-condensado, uma espécie de gelatina que lhe dá uma textura leve e cobertura de chocolate, entre outros ingredientes.
A criação de Guralnik foi de tal forma um sucesso que as filas na pastelaria da rua Arbat, em Moscovo, não tardaram e no auge da sua popularidade cerca de 600 bolos eram servidos diariamente, inspirando outros a tentarem recriar a receita, que dessa forma espalharam a iguaria por outras repúblicas soviéticas.
Kiev Não são consensuais as opiniões sobre a origem da “Frango à Kiev”. Alguns defendem que o prato foi inventado em 1910, em São Petersburgo e com outro nome, outros dizem que é bem mais antigo que isso. O que é certo é que a receita faz-se com de bifes de peito de frando, previamente desossado e limpo, recheados com manteiga e um ovo cozido e, posteriormente, panados.
De acordo com o livro, o prato foi recuperado em 1947 através do ministo dos Negócios Estrangeiros, que o serviu a diplomatas numa recepção em Kiev. A partir daí passou a ser conhecido dessa forma, graças à popularidade que rapidamente ganhou em alguns restaurantes da capital da Ucrânia, que o passaram a confeccionar e, mais tarde, com a inclusão no menu dos restaurantes, avalisados pela Intourist, a agência de turismo oficial soviética.
Estas são apenas algumas das histórias que se encontram no livro mas há mais 58 por descobrir com as devidas receitas a acompanhar e a promessa de desvendar segredos culinários mais ou menos bem guardados, entre outros que se tornaram populares. Sabores do leste europeu, que surgiram noutros tempos mas que se mantêm entre as tradições e que, em muitos casos, conseguiram atravessar fronteiras.