Durante uns poucos anos, escrevi sobre televisão. Lembro-me de ter alguma dificuldade em encontrar assunto todas as semanas, mas achava que era por ver pouca televisão e demasiado lixo televisivo.
Agora, em perspectiva, apercebo-me de que não havia muito mais para ver além disso e, não querendo soar àquelas senhoras que vêem novelas avidamente enquanto se queixam de que “é tudo uma pouca-vergonha”, o lixo é, de facto, cada vez mais. E eu lá vou espreitando como se, através do ecrã do televisor, a raça humana parecesse objecto de um “BBC Vida Selvagem”. Curiosamente, estou do lado de cá mas trabalho também do lado de lá. Espero que gostem de observar o comportamento da minha espécie.
Já não se espera grande coisa deste pequeno rectângulo obsoleto, e é por isso que qualquer coisa que pareça nascida de amor e empenho é nada menos que comovente. Lido com falta de meios desde que comecei no jornalismo, há uma dúzia de anos, e sei bem como ela pode desmotivar a criação e tornar-nos uns cepos queixosos. Ou só uns cepos. Haja paixão que se concretize. Eu ainda acredito.
Uma das razões por que acredito chama-se “Som de Cristal” e estreou há semanas na SIC (sábado à noite). É um programa idealizado pelo João Quadros e pelo Bruno Nogueira que acompanha um pedaço da vida de alguns cantores de música popular como Quim Barreiros, Marante ou Nel Monteiro.
Podia correr mal, tinha tudo para ser minado pelo sarcasmo ou pela condescendência mas, além de ser incrivelmente bem realizado e editado, consegue ser hilariante sem ser ácido e emocionante sem escarafunchar fragilidades – ou, como dizia a minha mãe a propósito do novo programa de entrevistas da Cristina Ferreira, sem “meter os dedos nos olhos”.
Há amor no compromisso que um programa como “Som de Cristal” implica – horas e horas de filmagens, posso supor, que incluem viagens das aldeias de Portugal até à Suíça – e depois há amor na forma como Bruno Nogueira se relaciona com os protagonistas de cada episódio, sem deixar de exercer a sua persona já conhecida mas igualmente sem a impor, deixando-se ser convidado para entrar na vida daqueles músicos.
No subtexto elegante de cada episódio, o documentarista e o documentado, geralmente vistos pelo público como caricaturas de si próprios, são gente. Todos um bocado fascinantes, todos um bocado parvos, porque não, como todos nós.
Ao contrário do que parece, isto é um anúncio a um programa sério.Saiba mais aqui »» http://bit.ly/somdecristal
Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado