Porquê esta peça numa altura de celebração?
Não foi pensada por fazermos 20 anos, mas não seria possível sem estes 20 anos. Conheço muito bem a peça, gosto muito do Pau Miró, mas não tinha pensado fazê-la por achar que os actores que tinha eram muito novos. Um dia olhei para eles e a juventude já tinha passado. Com 45/47 anos já podiam fazer estes papéis, que são pessoas que estão ameaçadas pela pré--reforma ou reforma e que não sabem bem como vão sobreviver à terceira idade.
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Essa dificuldade em lidar com a pré-reforma é algo bastante actual…
Sim, é algo que nos está a cair em cima. A peça foi escrita há três anos em Barcelona, há aqui uma situação que se sente claramente: o passado está a desaparecer. O pai do Professor morreu, deixou um disco e um Cristo, mas nada disto tem dignidade numa cidade que está para venda e onde é preciso dinheiro. Estas personagens queriam, no fundo, ter uma vida interessante, uma sorte que não lhes calhou.
Bem diferente é a vida dos Artistas Unidos…
Estamos sempre em perigo, mas já estamos em pré--reforma. A vida foi boa, difícil mas boa, estamos orgulhosos do que fomos fazendo e estamos a ver com grande apreensão o futuro próximo. Estão-se a reduzir as hipóteses. No próximo ano temos dois espectáculos no São Luiz mas são reposições. Não temos mais co-produções agendadas para o ano inteiro, o que significa que vou estar confinado a esta salinha com 70 lugares, o que, para os últimos anos da carreira de um velho encenador, já é pouco. Vejo com muita apreensão tudo o que se está a passar na política teatral, estou apreensivo como nunca estive. Já estive desesperado, agora estou apreensivo.
Não é a primeira vez que a companhia está em risco de fechar…
Estamos sempre, acho que grande parte das companhias tem essa noção.
Mas houve umas vezes mais sérias…
Sim, houve. Desde falta de dinheiro a falta de local. Neste momento não é o fechar que está em jogo, mas antes o que fazer, com que recursos, com que repertório. Nesta sala posso fazer espectáculos com quatro actores, seis, não cabem mais, não posso fazer mutações de cena, é nisso que vou gastar os meus últimos anos, parece que sim.
Deduzo que gostaria de fazer outras coisas.
Gosto e sei fazer coisas em palcos grandes, mas não vou ter acesso nos próximos anos, certamente. Fiz agora 67 e sobram-me três, quatro anos para poder fazer coisas. Tenho pena de não estar a trabalhar em palcos grandes…
Não vai acontecer de todo?
Só em Janeiro de 2017. “A Noite da Iguana” no São Luiz, dá-me pena porque gosto e sei fazer isso. Algo que nunca aconteceu, sempre fomos tendo co-produções com a Culturgest, com o Rivoli, com o Nacional. Com o São Luiz, é a primeira vez que isto nos acontece. Estamos confinados a pequenos espectáculos, o que significa pequenas receitas e pequenos elencos. Esta pequenez com que estamos amaldiçoados é algo que me preocupa. Não tenho a certeza de que tenha interesse estar constantemente a fazer pequenos espectáculos. É uma das grandes dúvidas que tenho.
Falta-lhe cumprir algum desejo neste tempo de aniversário?
Aquilo que queria era estar com os actores de quem gosto. Gostava imenso de estar a trabalhar com o Miguel Borges, com a Maria João Luís… O meu sonho é ter actores a quem não tenho de dizer nada, ficava aqui sentadinho…
E nesse caso qual seria o seu trabalho?
Nenhum, não quero trabalhar, só quero ver. O meu trabalho é só aconchegar o jogo dos actores. Quando se trabalha 20 anos com as mesmas pessoas, há muito pouco a dizer, somos velhos casais a ver as vistas junto à praia.