Jorge Silva Melo. “O meu sonho é ter actores a quem não tenho de dizer nada”

Jorge Silva Melo. “O meu sonho é ter actores a quem não tenho de dizer nada”


Porquê esta peça numa altura de celebração?  Não foi pensada por fazermos 20 anos, mas não seria possível sem estes 20 anos. Conheço muito bem a peça, gosto muito do Pau Miró, mas não tinha pensado fazê-la por achar que os actores que tinha eram muito novos. Um dia olhei para eles e a juventude…


Porquê esta peça numa altura de celebração? 
Não foi pensada por fazermos 20 anos, mas não seria possível sem estes 20 anos. Conheço muito bem a peça, gosto muito do Pau Miró, mas não tinha pensado fazê-la por achar que os actores que tinha eram muito novos. Um dia olhei para eles e a juventude já tinha passado. Com 45/47 anos já podiam fazer estes papéis, que são pessoas que estão ameaçadas pela pré--reforma ou reforma e que não sabem bem como vão sobreviver à terceira idade.

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Essa dificuldade em lidar com a pré-reforma é algo bastante actual…
Sim, é algo que nos está a cair em cima. A peça foi escrita há três anos em Barcelona, há aqui uma situação que se sente claramente: o passado está a desaparecer. O pai do Professor morreu, deixou um disco e um Cristo, mas nada disto tem dignidade numa cidade que está para venda e onde é preciso dinheiro. Estas personagens queriam, no fundo, ter uma vida interessante, uma sorte que não lhes calhou. 

Bem diferente é a vida dos Artistas Unidos…
Estamos sempre em perigo, mas já estamos em pré--reforma. A vida foi boa, difícil mas boa, estamos orgulhosos do que fomos fazendo e estamos a ver com grande apreensão o futuro próximo. Estão-se a reduzir as hipóteses. No próximo ano temos dois espectáculos no São Luiz mas são reposições. Não temos mais co-produções agendadas para o ano inteiro, o que significa que vou estar confinado a esta salinha com 70 lugares, o que, para os últimos anos da carreira de um velho encenador, já é pouco. Vejo com muita apreensão tudo o que se está a passar na política teatral, estou apreensivo como nunca estive. Já estive desesperado, agora estou apreensivo.
 
Não é a primeira vez que a companhia está em risco de fechar…
Estamos sempre, acho que grande parte das companhias tem essa noção.

Mas houve umas vezes mais sérias…
Sim, houve. Desde falta de dinheiro a falta de local. Neste momento não é o fechar que está em jogo, mas antes o que fazer, com que recursos, com que repertório. Nesta sala posso fazer espectáculos com quatro actores, seis, não cabem mais, não posso fazer mutações de cena, é nisso que vou gastar os meus últimos anos, parece que sim. 

Deduzo que gostaria de fazer outras coisas.
Gosto e sei fazer coisas em palcos grandes, mas não vou ter acesso nos próximos anos, certamente. Fiz agora 67 e sobram-me três, quatro anos para poder fazer coisas. Tenho pena de não estar a trabalhar em palcos grandes…

Não vai acontecer de todo?
Só em Janeiro de 2017. “A Noite da Iguana” no São Luiz, dá-me pena porque gosto e sei fazer isso. Algo que nunca aconteceu, sempre fomos tendo co-produções com a Culturgest, com o Rivoli, com o Nacional. Com o São Luiz, é a primeira vez que isto nos acontece. Estamos confinados a pequenos espectáculos, o que significa pequenas receitas e pequenos elencos. Esta pequenez com que estamos amaldiçoados é algo que me preocupa. Não tenho a certeza de que tenha interesse estar constantemente a fazer pequenos espectáculos. É uma das grandes dúvidas que tenho.
 
Falta-lhe cumprir algum desejo neste tempo de aniversário?
Aquilo que queria era estar com os actores de quem gosto. Gostava imenso de estar a trabalhar com o Miguel Borges, com a Maria João Luís… O meu sonho é ter actores a quem não tenho de dizer nada, ficava aqui sentadinho…

E nesse caso qual seria o seu trabalho?
Nenhum, não quero trabalhar, só quero ver. O meu trabalho é só aconchegar o jogo dos actores. Quando se trabalha 20 anos com as mesmas pessoas, há muito pouco a dizer, somos velhos casais a ver as vistas junto à praia.