Chama-se Port Wine Day, mas um dia não chega para celebrar o vinho do Porto. Foram 11 dias de debates, provas, aulas, troca de experiências entre enólogos e ementas especiais nos restaurantes do Porto, tudo isto para trazer a bebida de volta aos portugueses.
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Foram 11 dias a celebrar uma das bebidas preferidas dos portugueses. Se já está a imaginar copos de balão e gin tónico a cair sobre pétalas de rosa, alecrim ou pimenta-rosa, pode esquecer. Aqui falamos do bom e velho – neste caso, quanto mais velho, melhor – vinho do Porto.
O copo começou a erguer-se em brindes no dia 3 e, apesar de o evento ter “day” no nome, só ontem se pôs fim à temporada de seminários, visitas a caves e museus, jantares vínicos e cocktails especiais. Como boa anfitriã que é, a cidade do Porto preparou-se a rigor para as comemorações, e quem escolheu Setembro para um passeio na Invicta facilmente reparou que as montras das lojas tinham uma decoração apropriada, as caves de vinho ofereciam programas especiais e vários menus de restaurantes foram alterados para fazer do vinho do Porto o protagonista dos pratos.
Mas para que o vinho não se dissipasse nos dias, foi-lhe reservado um em especial: 10 de Setembro, data em que se assinalou o 259.o aniversário da criação da região vitivinícola demarcada e regulamentada mais antiga do mundo, o Alto Douro Vinhateiro. Nesse dia, o Centro de Congressos da Alfândega do Porto encheu-se de especialistas e curiosos em debates sobre a história da bebida, numa troca de argumentos sobre quais as estratégias a seguir para a manter como uma bebida de sucesso. “Luxo” talvez tenha sido a palavra mais repetida durante os seminários que juntaram enólogos e especialistas em marketing nacionais e internacionais.
Enquanto os portugueses debatiam formas de fazer penetrar o produto em mercados superiores, James Suckling, um dos mais aclamados críticos de vinho da actualidade, garante que o vinho do Porto já tem o seu papel bem assumido. “O vinho do Porto já é um produto de luxo, mais não seja pela sua história e pela forma como é servido.” O enólogo lembra que esta é uma bebida para ser servida depois da refeição, com tempo, num ambiente relaxado. “E hoje em dia, não há luxo maior que o tempo”, lembra.
VENDAS Embora o seu posicionamento seja de luxo, é contra esse elitismo que lutam os enólogos portugueses. João Mesquita, representante da Ramos Pinto, admite que gostava de ver o vinho do Porto a ser bebido a todas as ocasiões. “Quando servido à temperatura certa e com os acompanhamentos perfeitos, é uma bebida de todas as horas”, refere.
À semelhança de grande parte das produtoras portuguesas, também parte do negócio da Ramos Pinto se faz lá fora. Neste caso específico falamos de 50% das vendas feitas para mercado internacional, mas se alargarmos o panorama a toda a produção nacional, essa percentagem sobe para cerca de 85%. Isto porque, apesar de a produção ser portuguesa, Portugal surge em segundo lugar em termos de comercialização, lugar conquistado este ano, depois de alguns passados no terceiro lugar do pódio.
A França assume cerca de 26% do mercado global, ficando Portugal com 15,1%. Embora os números deixem os enólogos satisfeitos, todos acabam por admitir que são valores influenciados pelos turistas de visita à cidade e que não resistem a levar uma garrafa de recordação. “A tradição em Portugal é que seja um vinho para oferecer ou para beber apenas em ocasiões especiais, e isso limita a sua comercialização”, lembra Manuel de Novaes Cabral. À frente do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP) desde 2011, garante que assumiu como missão trazer o vinho de volta aos portugueses. “Os portugueses conhecem mal o vinho do Porto e, infelizmente, estas formas de estar não se mudam de um dia para o outro, é um trabalho contínuo”, admite.
Mesmo perante um caminho que vai obrigar a um derrube de tradições, os números não deixam de ser animadores: em 2014, as vendas de vinho do Porto atingiram os 364 milhões de euros e as expectativas para este ano são de que este número atinja os 367 milhões.
PROVAR Complexo, persistente, elegante, vibrante. Estas são algumas das palavras mais repetidas ao longo do dia para caracterizar as dezenas de vinhos que nos vão passando à frente. Para aprender a escolher a acertada e conseguir participar nas conversas de corredor, abrimos a porta da masterclass sobre vinhos da década de 70. Bento Amaral, o enólogo de serviço, lembra que foram anos quentes não só em termos políticos, mas também de temperatura, o que deu origem a vinhos de topo. Começa--se por um Sandeman de 1970, passa-se por um Dalva, um Ferreira ou um Graham’s. A cabeça levanta-se quando ouvimos falar em garrafas que atingem os mais de 200 euros e os olhos inexperientes arregalam-se quando, ao segundo copo, percebemos a finalidade do recipiente preto colocado à frente de cada um. Uma prova de 15 vinhos só termina sem taxas de alcoolemia elevadas com a técnica de saborear e deitar fora o excesso.
Com notas tiradas num bloco, sentimos a segurança suficiente para enfrentar um jantar de especialistas num dos restaurantes que, por aderirem à iniciativa, preparam um menu em que o vinho do Porto é figura principal, do couvert à sobremesa. Quando os olhos se desviam da ementa de foie gras em redução de Burmester Branco, rodovalho em molho de vinho branco e filet mignon e redução de touriga nacional, é fácil reparar que o tema da conversa dificilmente se desvia, nem mesmo em dia de rescaldo de um debate político e vésperas de uma goleada do Benfica.
Por cima de uma mesa quadrada trocam-se datas de colheitas, escolhem-se os nomes das melhores, fala-se de números e saboreia-se o vinho com mexeres de boca ruidosos.
Se conseguimos evitar que os talheres tocassem nos acompanhamentos vínicos e recusámos as provas durante um dia inteiro, aqui não há escapatória possível, mais não seja por estarmos num altíssimo 18.o andar. Isto tudo para confessar que, por estes lados, o vinho do Porto está longe do top de preferências. Mesmo assim, decidimos aproveitar o brinde geral para abrir horizontes e provar o que de melhor o Douro produz. Erguemos o braço, participamos no tilintar de copos, passamos os lábios pela bebida e esperamos pela celebração do dia da cerveja artesanal.