O Dia Seguinte


O debate Passos vs. Costa poderá ter ajudado a decidir muitos votose assinalou o fim de caminhos opostos.


© Jose Sena Goulao/Lusa

O leitor vai percorrer estas linhas com uma grande vantagem na relação com o que aqui se vai escrever: viu o debate televisivo entre Passos Coelho e António Costa. Eu ainda não vi.

Porventura, o leitor integra-se no grupo dos indecisos que não ignoraram a sondagem pública que conferiu, na imprensa matutina de ontem, vantagem declarada à coligação PSD/CDS em face de um PS em queda e, também por isso, não resistiram a perceber qual dos dois lhe poderia dar mais confiança emocional num possível voto a 4 de Outubro. Ajudou? Convenceu-se por fim? 

Se calhar está num outro grupo, o daqueles que não suportam qualquer dos dois (e os respectivos partidos) e apenas confirmaram que não são (uma vez mais, para si) alternativa. Prefere abster-se (novamente ou pioneiramente) como instrumento de revolta.

Ou então, igualmente sem tolerância pela luta de ambos os blocos para conseguir a dianteira, concluiu que o seu voto de protesto melhor estará no PCP (a consolidar um caminho próximo dos 10%, em prejuízo do voto útil no PS…).

Ou até no Bloco de Esquerda (que agora parece recuperar com a descoberta de uma Catarina Martins arrumada nas ideias e com surpreendente capacidade de superação).

Ou talvez não. O leitor será um daqueles que votaram PSD ou CDS em 2011 e que muito se revoltaram com esse voto. Pelo menos até há bem poucos meses jurava que não voltaria a colocar cruz nessas siglas. Certo dia telefonaram-lhe de um centro de sondagens e disse que votaria PS. O certo é que tem ajuizado mais recentemente noutro sentido: ressuscitou o seu compromisso ideológico ou apenas sociológico com o espectro desses dois partidos.

Acompanhou Portas no cabo e percebeu o essencial da mensagem das “duas fases”: até 2013, recuperar da bancarrota e recessão; depois de 2013, acabar com a “troika” e crescimento com emprego. Captou a mensagem de Passos: oportunidade para governar “em normalidade”. Sempre que reparava nos movimentos labiais sincopados de Costa, não conseguia deixar de ver o sorriso de Sócrates a regressar da prisão.

Sabe que a política de juros do BCE, a descida do preço do petróleo, o empreendedorismo exportador e a sazonalidade histórica do turismo foram uma bênção para o governo. Apreciou a resistência e valoriza a coesão dos partidos da coligação. Acha que Costa se dirige a um país que já não existe no final de 2015. Já sabe agora o que fazer?

Não, afinal o leitor é um daqueles que estão no grupo que não perdoa de todo a Passos e a Portas. Talvez já tenha votado PSD, em tempos muito longínquos. Geralmente confia no PS. Confiou muito em Sócrates, aliás. Confia em António Costa, até prova grave em contrário. Terá confirmado ontem que tem experiência, combatividade, vontade e programa para dar a volta. Esperança.

Até pode desconfiar das promessas, até pode não compreender alguma complexidade e alguns números, mas quer mudar. Não quer continuar com aquela frieza obsessiva de Passos. Está fechado? 

Se é militante ou se vota sempre da mesma forma, então o debate foi apenas exercício de regozijo ou reprovação ou desilusão. Não contou. 

Mas não descontemos o essencial. Ontem teremos visto um confronto que assinalou o fim de dois trilhos daqueles dois homens políticos. O de Passos começou com a gestão da “demissão irrevogável” de Portas e o evitar da entrega do poder a Seguro – foi aí que o vento começou a soprar de feição. 

O de Costa começou com a discutível estratégia interna para destronar Seguro – foi aí que o vento deixou de soprar tão forte. Hoje é o dia seguinte a esse fim. O primeiro dos dias até ao dia final.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira

O Dia Seguinte


O debate Passos vs. Costa poderá ter ajudado a decidir muitos votose assinalou o fim de caminhos opostos.


© Jose Sena Goulao/Lusa

O leitor vai percorrer estas linhas com uma grande vantagem na relação com o que aqui se vai escrever: viu o debate televisivo entre Passos Coelho e António Costa. Eu ainda não vi.

Porventura, o leitor integra-se no grupo dos indecisos que não ignoraram a sondagem pública que conferiu, na imprensa matutina de ontem, vantagem declarada à coligação PSD/CDS em face de um PS em queda e, também por isso, não resistiram a perceber qual dos dois lhe poderia dar mais confiança emocional num possível voto a 4 de Outubro. Ajudou? Convenceu-se por fim? 

Se calhar está num outro grupo, o daqueles que não suportam qualquer dos dois (e os respectivos partidos) e apenas confirmaram que não são (uma vez mais, para si) alternativa. Prefere abster-se (novamente ou pioneiramente) como instrumento de revolta.

Ou então, igualmente sem tolerância pela luta de ambos os blocos para conseguir a dianteira, concluiu que o seu voto de protesto melhor estará no PCP (a consolidar um caminho próximo dos 10%, em prejuízo do voto útil no PS…).

Ou até no Bloco de Esquerda (que agora parece recuperar com a descoberta de uma Catarina Martins arrumada nas ideias e com surpreendente capacidade de superação).

Ou talvez não. O leitor será um daqueles que votaram PSD ou CDS em 2011 e que muito se revoltaram com esse voto. Pelo menos até há bem poucos meses jurava que não voltaria a colocar cruz nessas siglas. Certo dia telefonaram-lhe de um centro de sondagens e disse que votaria PS. O certo é que tem ajuizado mais recentemente noutro sentido: ressuscitou o seu compromisso ideológico ou apenas sociológico com o espectro desses dois partidos.

Acompanhou Portas no cabo e percebeu o essencial da mensagem das “duas fases”: até 2013, recuperar da bancarrota e recessão; depois de 2013, acabar com a “troika” e crescimento com emprego. Captou a mensagem de Passos: oportunidade para governar “em normalidade”. Sempre que reparava nos movimentos labiais sincopados de Costa, não conseguia deixar de ver o sorriso de Sócrates a regressar da prisão.

Sabe que a política de juros do BCE, a descida do preço do petróleo, o empreendedorismo exportador e a sazonalidade histórica do turismo foram uma bênção para o governo. Apreciou a resistência e valoriza a coesão dos partidos da coligação. Acha que Costa se dirige a um país que já não existe no final de 2015. Já sabe agora o que fazer?

Não, afinal o leitor é um daqueles que estão no grupo que não perdoa de todo a Passos e a Portas. Talvez já tenha votado PSD, em tempos muito longínquos. Geralmente confia no PS. Confiou muito em Sócrates, aliás. Confia em António Costa, até prova grave em contrário. Terá confirmado ontem que tem experiência, combatividade, vontade e programa para dar a volta. Esperança.

Até pode desconfiar das promessas, até pode não compreender alguma complexidade e alguns números, mas quer mudar. Não quer continuar com aquela frieza obsessiva de Passos. Está fechado? 

Se é militante ou se vota sempre da mesma forma, então o debate foi apenas exercício de regozijo ou reprovação ou desilusão. Não contou. 

Mas não descontemos o essencial. Ontem teremos visto um confronto que assinalou o fim de dois trilhos daqueles dois homens políticos. O de Passos começou com a gestão da “demissão irrevogável” de Portas e o evitar da entrega do poder a Seguro – foi aí que o vento começou a soprar de feição. 

O de Costa começou com a discutível estratégia interna para destronar Seguro – foi aí que o vento deixou de soprar tão forte. Hoje é o dia seguinte a esse fim. O primeiro dos dias até ao dia final.

Professor de Direito da Universidade de Coimbra. Jurisconsulto
Escreve à quinta-feira