O tempo é um fator crítico nas sociedades modernas. E no entanto, os Estados, as instituições e os cidadãos têm, por regra, uma capacidade de reação demasiado lenta para as dinâmicas que se geram e para a exigência de uma realidade que não é compartimentável. Não se esgota num território, não se contém perante um muro e supera os obstáculos que são colocados.
Na denominada crise dos Refugiados, a Europa comporta-se como um velho petroleiro sem capacidade para dar umas guinadas que alterem o rumo dos acontecimentos. Há quantos meses e há quantos anos morrem milhares de migrantes e de refugiados no Mar Mediterrâneo, sem que a trágica situação suscite a comoção geral agora conseguida? Há demasiados! Manietada pela cultura dos egoísmos nacionais, pela linha política da austeridade geradora do “salve-se quem puder” e por um progressivo afastamento das necessidades e das expetativas dos europeus, chegamos a um ponto de contradição total. Quem tem estado a impor o compasso da austeridade sem limites para os europeus, surge agora a liderar o esboço de resposta à vaga massiva de cidadãos desesperados em busca de um futuro melhor nessa mesma Europa. Angela Merkel quer mobilizar pelo exemplo uma resposta solidária, já não se importa de afrontar a opinião pública alemã e exige respostas de outros Estados e da União Europeia para um problema que há muito existe, mas que agora ganhou outra relevância. Afinal, agora chegou pelas fronteiras terrestres e a comunicação social divulgou a situação, com imagens chocantes de algumas mortes. Como se as outras também não o fossem.
A Europa dá sinais de ter despertado. Tarde, mas mais vale tarde do que nunca. A grande questão é saber se o despertar suscita uma resposta eficaz para a emergência, se as soluções são sustentáveis e se a Europa interioriza que as opções políticas, na austeridade desenfreada, na indiferença perante a pobreza e o subdesenvolvimento ou nas intervenções militares, têm consequências na vida concreta das pessoas, que não podem ser negligenciadas. Mais tarde ou mais cedo, entram-nos pela porta da nossa casa a dentro. Tornam-se incontornáveis.
A verdade é que, após milhares de mortes no Mediterrâneo, despertou-se para uma realidade com o espírito de solidariedade que deveria estar sempre presente em Portugal e na Europa. Esse espírito de despertar para a realidade, para as dinâmicas que estão acontecer e para as sementes que germinam nas sociedades tem de ser permanente. A espiral de disponibilidade de cidadãos, empresas, instituições e famílias para acolher migrantes é positiva. Ao invés, do campeonato em que se entrou sobre quem chega primeiro à comunicação social a anunciar disponibilidades ou quem diz querer acolher mais migrantes ou refugiados. Como seria tão positivo que esse despertar e essas disponibilidades para a ação chegassem a outras questões locais, regionais, nacionais e internacionais!
Há uma espécie de anestesia, de indiferença e de resignação que se tem apoderado dos cidadãos, das sociedades e dos Estados. Um preocupante sentimento de desesperança no funcionamento da sociedade e no futuro. Felizmente, persistem e multiplicam-se exemplos de responsabilidade social e ambiental, de exigência de rigor, de transparência e de sustentabilidade nas decisões políticas e de iniciativas que conseguem despertar o melhor que há em cada um de nós. Despertar a tempo, no tempo certo e com consciência das consequências do que se faz é o desafio. No plano nacional como ao nível internacional, o efeito bumerangue é uma realidade. Em boa parte, colhemos a sementeira que fazemos. As intervenções militares das últimas décadas; as opções políticas do Ocidente; a desestruturação de muitos países de África e do Médio Oriente e a indiferença perante o subdesenvolvimento, a pobreza e a falta de perspetivas de vida de muitos povos criaram um caldo de cultura para que as consequências nos batam à porta.
Este é o tempo de concretizar as palavras. As expetativas criadas e as declarações de intenções de mudança das políticas. Afinal, embora em patamares diferentes, o respeito pela dignidade humana, a reintrodução de alguma previsibilidade nas vidas dos cidadãos e a ambição de ter uma perspetiva de futuro diferente da que têm são linhas que os portugueses partilham com os migrantes e os refugiados.
Político (PS)
Escreve à quinta-feira