Assentar praça no recreio


Os recreios escolares serão um “barril de pólvora” a funcionar em “estado de sítio”? Quem ganha com este exercício demagógico que leva a pressupor que por trás duma criança ou dum adolescente está um aluno anti-social e violento? Esta semana, Eduardo Sá e Isabel Stilwell unem-se para dar voz à indignação


Foi publicado recentemente um decreto-lei que prevê, em nome da salvaguarda e do reforço da segurança nas escolas, a contratação de reservistas e aposentados das Forças Armadas, das forças de segurança e dos órgãos de polícia criminal.

Um diploma como este coloca várias questões.
1. Para que serve um recreio? Para comer o pão e ir à casa de banho ou para conviver e brincar? Isto é, os recreios são indispensáveis para o sucesso pessoal, social e educativo, ou são um empecilho sem o qual, não fosse a “barriga a dar horas” e as inadiáveis necessidades biológicas de professores e alunos, se passaria bem? E, já agora, o que pretendemos dos recreios: crianças que convivam e brinquem, crianças que corram e joguem e crianças que rivalizem e aprendam a agredir com lealdade e com maneiras ou crianças exemplares?

2. O que se pretende dar a entender com uma lei como esta? Que os nossos filhos são todos tão mal-educados que, chegada à altura de levarem para a escola a educação que as famílias lhes dão, o melhor que conseguem é ser impulsivos, intolerantes e violentos?

3. Quem ganha com este exercício demagógico que leva a pressupor que por trás duma criança ou dum adolescente, no contexto dum recreio, está um aluno anti-social e violento? Quem ganha ao generalizar as excepções como regra: será que, por existirem alguns alunos violentos, todas as crianças serão assim? 

4. Porque é que os alunos precisam de ser tutelados por militares e por pessoas ligadas às forças de segurança, e nunca se discute a influência que quem planeia a escola, a formação das turmas e a distribuição dos tempos lectivos tem no modo como são vividos os recreios? E quem permite que, entre blocos de 90 minutos de aulas, haja alunos que tenham recreios de cinco minutos? E onde fica, em tudo isto, quem imagina que os alunos, independentemente do tempo que não brincam, do modo como não se mexem e da forma como não descansam, deverão ser crianças tendencialmente mais sossegadas, mais silenciosas, menos espontâneas e mais obedientes?

5. Que sentido tem trazer para a escola pessoas estranhas à comunidade escolar? E, por maioria de razão, quando essas pessoas têm como competência pedagógica mais significativa para vigiarem os recreios a sua ligação às Forças Armadas e às forças de segurança? Será que passaremos a ter alunos a assentar praça nos recreios ou militares a fazer de forças educativas especiais?

6. Um sinal como este pressupõe que os recreios escolares serão um barril de pólvora nocivo para as crianças? Ou quererá dizer – ao contrário das outras instituições portuguesas, que funcionam segundo as regras de um Estado de direito – que os recreios das escolas funcionarão de acordo com um estado de sítio?

7. O que se pretende com este exemplo: dar a entender que, não sendo com o auxílio dos militares e das forças de segurança, os órgãos de gestão duma escola só funcionam como democracias “musculadas”? 

8. Quem ganha ao confundir a vida com o caos e a disciplina com a justiça? A segurança? Nunca! Porque ela é consequência do bom senso com que se exerce a lei. Nunca o contrário!

9. Não é com exemplos destes que se promove o respeito dos alunos pela escola, pelos professores, pelo pessoal auxiliar e pelas Forças Armadas. Colocar a segurança como o mais importante do recreio e “militarizar o convívio, o jogo e o brincar” não são ideias amáveis para com a liberdade, nem bondosas para com a parentalidade. E muito menos amigas da educação e do futuro! 
 
Jornalista e escritora
Pediatra 

Assentar praça no recreio


Os recreios escolares serão um “barril de pólvora” a funcionar em “estado de sítio”? Quem ganha com este exercício demagógico que leva a pressupor que por trás duma criança ou dum adolescente está um aluno anti-social e violento? Esta semana, Eduardo Sá e Isabel Stilwell unem-se para dar voz à indignação


Foi publicado recentemente um decreto-lei que prevê, em nome da salvaguarda e do reforço da segurança nas escolas, a contratação de reservistas e aposentados das Forças Armadas, das forças de segurança e dos órgãos de polícia criminal.

Um diploma como este coloca várias questões.
1. Para que serve um recreio? Para comer o pão e ir à casa de banho ou para conviver e brincar? Isto é, os recreios são indispensáveis para o sucesso pessoal, social e educativo, ou são um empecilho sem o qual, não fosse a “barriga a dar horas” e as inadiáveis necessidades biológicas de professores e alunos, se passaria bem? E, já agora, o que pretendemos dos recreios: crianças que convivam e brinquem, crianças que corram e joguem e crianças que rivalizem e aprendam a agredir com lealdade e com maneiras ou crianças exemplares?

2. O que se pretende dar a entender com uma lei como esta? Que os nossos filhos são todos tão mal-educados que, chegada à altura de levarem para a escola a educação que as famílias lhes dão, o melhor que conseguem é ser impulsivos, intolerantes e violentos?

3. Quem ganha com este exercício demagógico que leva a pressupor que por trás duma criança ou dum adolescente, no contexto dum recreio, está um aluno anti-social e violento? Quem ganha ao generalizar as excepções como regra: será que, por existirem alguns alunos violentos, todas as crianças serão assim? 

4. Porque é que os alunos precisam de ser tutelados por militares e por pessoas ligadas às forças de segurança, e nunca se discute a influência que quem planeia a escola, a formação das turmas e a distribuição dos tempos lectivos tem no modo como são vividos os recreios? E quem permite que, entre blocos de 90 minutos de aulas, haja alunos que tenham recreios de cinco minutos? E onde fica, em tudo isto, quem imagina que os alunos, independentemente do tempo que não brincam, do modo como não se mexem e da forma como não descansam, deverão ser crianças tendencialmente mais sossegadas, mais silenciosas, menos espontâneas e mais obedientes?

5. Que sentido tem trazer para a escola pessoas estranhas à comunidade escolar? E, por maioria de razão, quando essas pessoas têm como competência pedagógica mais significativa para vigiarem os recreios a sua ligação às Forças Armadas e às forças de segurança? Será que passaremos a ter alunos a assentar praça nos recreios ou militares a fazer de forças educativas especiais?

6. Um sinal como este pressupõe que os recreios escolares serão um barril de pólvora nocivo para as crianças? Ou quererá dizer – ao contrário das outras instituições portuguesas, que funcionam segundo as regras de um Estado de direito – que os recreios das escolas funcionarão de acordo com um estado de sítio?

7. O que se pretende com este exemplo: dar a entender que, não sendo com o auxílio dos militares e das forças de segurança, os órgãos de gestão duma escola só funcionam como democracias “musculadas”? 

8. Quem ganha ao confundir a vida com o caos e a disciplina com a justiça? A segurança? Nunca! Porque ela é consequência do bom senso com que se exerce a lei. Nunca o contrário!

9. Não é com exemplos destes que se promove o respeito dos alunos pela escola, pelos professores, pelo pessoal auxiliar e pelas Forças Armadas. Colocar a segurança como o mais importante do recreio e “militarizar o convívio, o jogo e o brincar” não são ideias amáveis para com a liberdade, nem bondosas para com a parentalidade. E muito menos amigas da educação e do futuro! 
 
Jornalista e escritora
Pediatra