Foi você que pediu um cartaz menos aborrecido?

Foi você que pediu um cartaz menos aborrecido?


No tempo em que não havia geradores de cartazes online para agitar a monotonia da silly season, as campanhas faziam-se em papel. Uma viagem pela história dos cartazes políticos em ditadura, na revolução e na democracia, que é a história de como chegámos aqui.


Recuperemos esta imagem: Cavaco Silva, 1985. Pouco depois da ida à Figueira da Foz para “fazer a rodagem” do carro, era ele o líder do PSD nas legislativas que marcavam o fim do bloco central de Mário Soares e Mota Pinto. Nos cartazes dessa campanha, o próximo primeiro-ministro português aparecia sobre um fundo laranja, com a mensagem “Vota Cavaco Silva. Competência para cumprir.” Olhando para os outdoors da polémica deste Verão, parecerá que no que diz respeito a propaganda política pouco nos separa desse já longínquo ano de 1985. Será?

No tempo em que não havia geradores de cartazes online para agitar a monotonia da silly season, as campanhas faziam-se mesmo em papel e, antes do aparecimento do outdoor, o cartaz colado na parede era rei. Até chegarmos ao “faça o seu cartaz aqui” (no seu computador), muita tinta correu em muitas tipografias (e outros tantos baldes foram gastos em murais). Falamos do PREC, está claro, mas o princípio de tudo não está aí. Para irmos às origens é preciso recuar ao tempo do Estado Novo e ao período entre as duas grandes guerras, altura que o historiador e político Fernando Rosas destaca como aquela em que se revolucionou a utilização do cartaz e de toda a propaganda em geral.

Os cartazes do Estado Novo, muitos deles da autoria dos artistas modernistas de que se rodeou António Ferro (entre eles, Almada Negreiros, autor do cartaz de apelo ao voto na Constituição de 1933 que reproduzimos na página seguinte) não foram apenas produto do regime, aconteceu ao mesmo tempo um processo inverso. “Há sempre uma relação muito forte entre as imagens e as técnicas de produção das imagens e o momento histórico que se vive, mais especificamente os momentos políticos”, sublinha o historiador Luís Trindade, que considera que se pode dizer “sem grande risco de exagero” que o próprio Estado Novo é já em si mesmo “resultado do novo regime de imagens” que se desenvolve nos nas décadas de 1920 e 30.

“Essa ideia do cartaz como produção de um regime ou de um líder político para as massas desapareceu quando as massas ganharam a possibilidade de produzir as suas próprias imagens”, prossegue Luís Trindade. E se isso é verdade nos dias de hoje, como vimos durante este Verão com o gerador de cartazes que dava a cada um a possibilidade de em dois minutos criar o seu próprio cartaz online — é fazer uma pesquisa nas redes sociais com a hashtag #geradordecartazes — foi possível também numa época sem internet. “No PREC, tal como os discursos, as imagens explodem por todos os lados, a revolução é essa explosão, a explosão da política. Havia muitos discursos em circulação mas também muitas imagens.” É pensar nas imagens de Lisboa nos anos 80, uma cidade coberta de murais e de slogans. “Aí há coisas da Vieira da Silva mas também muitos outros que mostram que sem internet qualquer pessoa pode fazer um cartaz.”

Campanha à americana Com a democracia veio a profissionalização das campanhas políticas. Luís Trindade recorda como momento fundamental a campanha de Freitas do Amaral para as presidenciais de 1986. “Foi aí que se começaram a fazer, disse-se logo na altura, as campanhas à americana, com os políticos rodeados de gestores de imagem e designers.” Quem não se lembra dos autocolantes e dos calendários com o “P’rá Frente Portugal” ou dos míticos lodens verdes, uma espécie de sobretudo que Freitas do Amaral lançou como moda durante essa campanha?

Sem a mesma máquina por detrás, foi também nessa campanha que o PS surgiu com o slogan “Soares é fixe”, que, segundo o realizador António-Pedro Vasconcelos, um dos homens que estiveram à frente da campanha dos socialistas, foi ideia de “um miúdo que apareceu lá” (no PS).

Quanto à campanha de Freitas, o único candidato da direita e o grande adversário do histórico socialista nessas eleições, o próprio António Pedro Vasconcelos recorda-a como “muito forte” em termos de produção. “Foi, de certa forma, a primeira campanha profissionalizada em Portugal. Mas isso a mim não me fez nenhuma impressão”, conta, sublinhando que no caso de Soares, que partia com apenas 8% das intenções de voto para umas eleições que acabaria por vencer na segunda volta, o importante era recuperar a sua imagem, desgastada pelos anos da governação do bloco central e pela intervenção do FMI, em 1983, com uma mensagem de verdade e convicção. “Fizemos um cartaz com a fotografia a preto e branco, não houve um hino, não queríamos nada que fosse triunfalista.” A ideia era impor a figura de Soares pelo seu passado, pela maturidade política, por ter estado sempre do lado da liberdade. “Esteve cá um especialista em campanhas que tinha feito, entre outras, a campanha de Reagan contra Carter [em 1980], mas eu disse que não me interessava, não quis.”

Esta campanha, sustenta Trindade, constitui o ponto de viragem para uma nova era em Portugal em que o cartaz serve para mostrar líderes. “A política fulanizada, baseada sobretudo no líder, o que não deixa de ser revelador de uma certa desideologização da política. Hoje elegemos o Cavaco Silva ou o Sócrates mais do que uma ideologia.”

Mas os melhores slogans de todos ainda não tinham chegado. Com o aproximar dos anos 90 apareceram aqueles que terão sido dos slogans mais provocadores em todas estas décadas de cartazes — excluindo, claro, o momento em que na campanha para as eleições de 1958 Humberto Delgado imprime durante a campanha as fotografias das concentrações dos seus apoiantes que a censura proibira os jornais de publicarem e as espalha em cartazes por todo o lado.

Foi também nessa época, recorda Fernando Rosas, que apareceram os primeiros materiais de campanha diferentes de cartazes, como os autocolantes. “Andávamos pela escola a ver quem colava mais autocolantes”, conta Rosas. “Eu colava os do Humberto Delgado, claro.”

Slogans, para que vos queremos De regresso ao final dos anos 80, mas para continuar a falar de cartazes provocadores, vamos directos a Miguel Esteves Cardoso. Nas primeiras eleições para o Parlamento Europeu, em 1987, MEC foi candidato independente pelo Partido Popular Monárquico, com slogans como “Eu não sou europateta”, “Namorar sim. Casar, não” ou “Maria, não vás com as outras”. Pode não ter sido eleito, mas deixou-nos estas frases, com ilustrações que não lhes ficavam atrás.

Anos depois, foi o Tratado de Maastricht a dar pano para mangas aos cérebros das campanhas, com cartazes e, sobretudo, muitos autocolantes contendo mensagens impossíveis de esquecer. Num conjunto de autocolantes cujo autor se desconhece mas que o arquivo de Pacheco Pereira, Ephemera, cataloga como tendo sido distribuídos pelo PSR, o partido de Francisco Louçã, apareceram mensagens como “Maastricas bem mas não me alegras”. A frase surgia acompanhada pela imagem de uma mulher vestida com um biquíni com a bandeira da CEE. Ou um outro a verde e azul em que Cavaco aparece com nariz de Pinóquio e que dizia “Boliqueime? Antes o Maastricht.” Ou ainda “Maastricht? Eu prefiro Guimarães”. E mais uns quantos com linguagem menos própria a recusar o tratado em várias línguas.

Foi também por essa altura que o PSR de Francisco Louçã criou a imagem emblemática da ovelha negra e que apareceram slogans como “Big Brother is watching you”, numa apropriação da frase de George Orwell no célebre “1984”, ou “O primeiro voto do resto da tua vida”.

Um espírito que o PP de Manuel Monteiro não deixou morrer na campanha para as legislativas de 95, com o slogan “Vamos dar lugar a Portugal” e os cartazes com as panelas da velha e da nova maioria, ou outro em que aparecia Portugal com uma placa de “Vende-se”, para dizer que “numa coisa PS e PSD estão de acordo”. Além do slogan “A rosa murchou mas ele não voltou”, em alusão a Cavaco Silva, cuja fotografia ilustrava o cartaz.

O estado a que chegámos O que aconteceu entretanto para que passássemos desta irreverência para o cenário actual? Os cartazes da última campanha deram muito que falar mas pelas piores razões. Tanto os do PS, por duas vezes, como os da coligação Portugal à Frente. João Gomes de Almeida, publicitário e director criativo da agência Nylon, além de blogger do “Cartazes de Campanha”, destaca desta campanha como bom exemplo apenas os cartazes do Bloco de Esquerda sobre o desemprego, “uma oportunidade que o Bloco apanha bem e resulta”. Gomes de Almeida considera que, numa altura em que “as pessoas estão cada vez menos ligadas à publicidade outdoor e o tempo de antena também já não tem a mesma eficácia, porque convivemos com o ecrã do telemóvel, depois o do computador e só depois a televisão”, não só a utilização de outdoors tem de ser repensada como os partidos devem começar a apostar mais no marketing. O publicitário sugere mesmo a criação de gabinetes de marketing dentro dos próprios partidos que funcionem durante todo o ano e sempre, não apenas durante as campanhas. “O exemplo mais flagrante é a gestão da redes sociais. Os candidatos têm redes sociais a funcionar durante as campanhas que depois ficam inactivas.”

“Se calhar estamos numa altura em que os cartazes políticos irão acabar”, diz Luís Trindade, referindo-se já aos outdoors como cartazes e não aos cartazes propriamente ditos, aqueles que no PREC se colavam nas paredes com cola e se mantiveram ainda durante os anos 90 adentro (Fernando Rosas recorda que na campanha em que foi candidato do Bloco de Esquerda à presidência, em 2001, ainda teve a sua cara em cartazes colados nas paredes, mas rapidamente o partido chegou à conclusão de que aquele meio já tinha perdido o sentido).
Sobre a última campanha, António Pedro Vasconcelos não se coíbe de puxar pela dureza nas palavras: “Acho um horror. É quase obsceno o custo dos cartazes, a vacuidade dos cartazes, das frases. Como acho obsceno que a coligação venha dizer ‘Portugal à Frente’ quando nunca um governo deixou Portugal tão para trás como este. E isso pode jogar contra eles, se a oposição souber tirar partido disso.” O realizador olha depois para os cartazes do PS deste Verão e não poupa os socialistas. “Lamentável. Cartazes inócuos, com mensagens inócuas. ‘Confiança’. O que quer dizer confiança? Quer dizer que as sondagens dizem que os eleitores precisam de confiança? Isto não é a mesma coisa que vender sabonetes. É preciso que haja convicção.” Como a que diz ter ajudado Soares, depois de uma difícil partida, a bater primeiro a esquerda e depois Freitas nas eleições de 86.