Wes Craven. O culpado pelos nossos piores pesadelos

Wes Craven. O culpado pelos nossos piores pesadelos


Criou Freddy Krueger e o “Pesadelo emElm Street”, mas há mais terror de onde este veio. Morreu no domingo, aos 76 anos.


Só o nome metia medo. No tempo em que existiam clubes de vídeo, em que se imprimiam cartazes em grandes dimensões para os filmes que acabavam de chegar ao mundo do VHS, lá estava o tal que nos mostrava “Shocker”, em Portugal lançado com o título “100 000 Volts de Terror”. Isto tudo entre 1989 e 1990, com a imagem de um tipo a rir-se enquanto uma dose considerável de corrente o comia por dentro e por fora numa cadeira eléctrica. E depois aquele nome, Wes Craven, em que cada letra assusta mais que a anterior, que ninguém nos venha dizer o contrário que não vamos acreditar. Não o fizemos quando a notícia da morte do realizador americano foi divulgada e assim vamos continuar.

Nasceu em 1939, Wesley Earl Craven – o nome completo do artista melhora um pouco a questão mas não a resolve por completo. Está na história do cinema e do medo colectivo desde que nos deu “Pesadelo em Elm Street”, desde que Freddy Krueger se transformou no nosso melhor pior inimigo. E se é preciso o ícone da malvadez filmada para nos levar ao resto do trabalho de Wes Craven, pois que assim seja, nada contra. Krueger chegou em 1984, o tipo que assombrava sonhos para matar a sério quem dormia. O das luvas com lâminas. O da cara desfigurada. O da camisola às riscas. Para sempre recordado em festas de Halloween, nada a fazer. Perfeito mafarrico na pele de assassino só porque sim. Deu uma carreira (ou definiu-a para o bem e para o mal) ao actor Robert Englund e fez-nos olhar para Craven como um mestre do terror.

Bom de recordar é o início desta história. No princípio era a pornografia. Era barato e dava a oportunidade a Wes Craven de escrever, realizar e montar os filmes. Aproveitar qualquer oportunidade de trabalho, era esse o ensinamento que trazia, primeiro de casa – filho de uma família religiosa e da classe trabalhadora –, depois cultivada também nos estudos de Língua Inglesa e Psicologia. Se era cinema que o homem queria, então estava feito o arranque.

Medo O passo seguinte foi a devida homenagem a quem o influenciou. A mais óbvia surgiu logo à primeira longa-metragem, “The Last House on the Left”, de 1972. Craven partiu de “A Fonte da Virgem” (1960), de Ingmar Bergman. Deu–lhe umas quantas voltas e desenvolveu a história à sua maneira. Isto na sala de cinema deu numa intensidade original e criativa, para quem apostava em histórias assustadoras e nunca mais as largou. O próprio Craven o reconheceu. Disse em entrevista ao “AV Club” em 2009: “Nunca tinha feito um filme, nunca tinha escrito um filme. Tinha deixado a escola um ano antes, aprendi ali os ritmos de fazer um filme. Quase só usámos actores amadores. Recordando tudo isto, acho que fizemos um óptimo trabalho.”

E continuaram, danados para aterrorizar o mundo. “The Hills Have Eyes” (1977) e os perigos de nos perdermos pelas estradas erradas; mais “A Bênção do Anjo Negro” (1981), quando os tractores já matavam as pessoas. A este último juntou-se “Perigo no Pântano”, em 1982, para completar uma dupla com menos sucesso na bilheteira e igual comportamento junto da crítica. Disse Craven à revista “Filmmaker Magazine” no ano passado: “Descobri que se tens dois filmes seguidos que não são um sucesso, não importa quantos fizeste que foram bem recebidos. O telefone pára de tocar.”

NúmerosDepois vieram as dívidas e os enrascanços, até que o artista decidiu trabalhar uma coisa nova, com calma – quase sem dinheiro para o papel da máquina de escrever mas concentradíssimo. Contou com o apoio de Bob Shaye, o fundador da produtora New Line Cinema, e ambos conquistaram a mudança que tanto procuravam com “Pesadelo em Elm Street”. Feito. Nunca mais nada foi igual. Incluindo o cinema de terror. Craven transformava-se numa marca, que depois fez episódios da “Twilight Zone” recuperada para os anos 80, filmes como  “A Maldição dos Mortos Vivos”, “100 000 Volts de Terror” ou“Prisioneiros na Cave”.

Decidiu não lutar contra o estereótipo que criara. “Quando tens um nome que quer dizer susto, tens de viver com isso”, confessou em 2005 ao jornal “Tampa Bay Times”. Para uma nova geração fez quatro filmes da saga “Gritos” e fitas mainstream como“Red Eye”. Apesar de quase nunca ter saído do rumo que estabeleceu desde o início (os maiores desvios assinou-os com “Melodia doCoração” e um dos segmentos de “Paris, Je t’Aime”), nunca se cansou de trabalhar nem de procurar mais no meio da mesma linguagem. Voltando à entrevista ao“AV Club”: “Tento não olhar muito para trás. Acho que isso é o mais importante para nos mantermos originais.”