Dona Ana. Afinal o que aconteceu a esta praia?

Dona Ana. Afinal o que aconteceu a esta praia?


Foi a mais falada deste Verão, mas não pelas melhores razões. Dona Ana cresceu com a alimentação artificial de areia e agora há espaço para toda a gente dos muitos hotéis das redondezas, mas perdeu o encanto e a Bandeira Dourada


Numa loja de souvenirs ainda no parque de estacionamento da praia de Dona Ana, tentamos encontrar um postal antigo. Nada. “De postais, só tenho o que está aí”, ruge alguém não muito bem-disposto ao lado da caixa registadora. “É que queríamos lembrar-nos de como a praia era antes”, explicamos, e finalmente parecemos conquistar a réstia de simpatia que se escondia por ali. “Ah, pois, isso que fizeram pr’aí…”, e começa uma enxurrada de queixas difícil de controlar. “Bem, vamos lá ver então o que fizeram à praia”, despedimo-nos, não sem antes ouvir que tivemos muita sorte em conseguir lugar para o carro. “Costumam ser horas para estacionar.”

Afinal, o que se passa com a praia de Dona Ana? Um investimento de 1,8 milhões de euros para a alimentação artificial de areia transformou a estância num estaleiro com escavadoras, mesmo a tempo da época balnear. Ah, esta coisa tão portuguesa de fazer obras em pleno Verão e empatar tudo! Comerciantes a queixarem-se, fotos nas redes sociais com um caterpillar e o hashtag #fériasdesonho, e directos na TV com pessoas indignadas em calções de banho. Enfim, o verdadeiro fim do mundo em cuecas.

As obras de requalificação da praia terminaram a meio de Julho, com as devidas três semanas de atraso da praxe, e o miradouro da praia, antes usado para fotos de sonho com água transparente em fundo (ou não estivéssemos a falar da “melhor praia portuguesa”, escolhas de Fevereiro do TripAdvisor, ou “a praia mais bonita do mundo”, como também já escreveu a Condé Nast Traveller), é agora usado para ver o que se passou lá em baixo e comparar fotos do antes e depois.

E há quem nem se preocupe em estacionar bem o carro só para espreitar. “O que acha? Ficou melhor assim?”, perguntamos a um homem que também espreita lá para baixo, ao nosso lado. A mulher ficou no carro e apita incessantemente para que o marido se despache. O problema é que já metemos conversa e o assunto parece agradar-lhe. Toda a gente tem uma palavra a dizer sobre a praia. “Não gosto”, são as palavras do senhor em questão, mas a mulher já está a sair do carro aos gritos e é melhor ficarmo-nos por aqui.

Pedro Silva, com mais tempo para falar e conhecedor da zona, acha que “fizeram muito bem”. “Não estragaram nada. A praia era só aquele bocadinho ali”, aponta para a areia. “Com o aumento da construção aqui ao redor, era muito tacanha para tanta gente e assim consegue servir mais pessoas. Esteticamente manteve-se bonita e, por isso, acho que não estragaram nada.”

Acácio Jacob, de Lisboa, mas a passar férias por ali, diz ainda não ter “reflectido bem sobre o assunto”. A reflexão aparece assim que olha para o areal. “Esta beleza nada tem a ver com a beleza que a praia tinha”, começa. “Em grandeza, já é outra coisa. Foram mais 40 metros de praia, segundo o jornal que li. Está muito diferente. Dantes a água era muito cristalina e agora já não é, por causa da areia que puseram aí. Não sei se fizeram bem ou mal.”
Nada como pôr o pé na areia para perceber do que estamos a falar. Mas se vai para a praia Dona Ana, o melhor é ir munido de chinelos nos pés. Até um faquir se poderia sentir desconfortável a caminhar neste areal cheio de conchas partidas.

Os novos 150 mil metros cúbicos de areia vieram directamente do fundo do mar e já se sabe que nada ia ser como dantes. A cor é diferente, o mar já não está transparente, mas parece haver espaço suficiente para que as pessoas não se aproximem das arribas periclitantes (um dos principais objectivos da requalificação da praia) e consigam estender a toalha sem tocar no vizinho do lado.

Nada que impressione a Quercus – Associação Nacional de Conservação da Natureza, que decidiu suspender a classificação de “Qualidade de Ouro” que tinha atribuído à praia antes das obras. “Para além de alterarem significativamente a paisagem natural característica da praia de Dona Ana, [as intervenções] colocam em causa a conservação e a protecção de ecossistemas marinhos de elevada biodiversidade, nomeadamente a destruição de dois roteiros subaquáticos identificados pela Universidade do Algarve”, referem num comunicado publicado no fim de Julho. E mais:“A Quercus considera que estas intervenções, devido ao seu custo elevado e ao seu carácter temporário, não se justificam. A segurança dos utentes não passa pela destruição da beleza paisagística das nossas praias, mas por campanhas de sensibilização e por limitar o número de utentes por praia, medida fundamental em praias de arribas instáveis, como é o caso da praia de Dona Ana.”

Os comerciantes das redondezas também têm razões de queixa. Além das obras em pleno Verão terem prejudicado o negócio – e não estão previstas compensações –, o estacionamento da praia, quase todo ocupado pelos carros dos muitos hotéis e apartamentos, tornou-se caótico. De tal forma que o responsável pelo quiosque em frente à praia, explorado pela Sociedade Filarmónica Lacobriguense 1.o de Maio, é multado pela polícia enquanto fala connosco. “Suponho que o objectivo de segurança de afastar as pessoas da falésia tenha sido alcançado”, afirma. “Mas vinha para aqui muita gente tirar fotos, ver o fundo do mar, com máscaras de mergulho, e agora a praia perdeu esse atractivo. Para praias com esta extensão, já havia a Meia Praia.”