Ashley Maldição


Quando o site Ashley Madison chegou a Portugal, uns viraram a cara enojados, outros abriram logo uma conta e outros viraram a cara enojados e abriram logo uma conta. Tirando o lado oportunista do negócio, achei a ideia revolucionária: um rede social que promove o encontro entre pessoas que desejam ter uma relação extra-conjugal. Já…


Quando o site Ashley Madison chegou a Portugal, uns viraram a cara enojados, outros abriram logo uma conta e outros viraram a cara enojados e abriram logo uma conta. Tirando o lado oportunista do negócio, achei a ideia revolucionária: um rede social que promove o encontro entre pessoas que desejam ter uma relação extra-conjugal. Já que estamos culturalmente subjugados à monogamia, ao menos que se assuma que a "traição" faz muitas vezes parte dessa equação, sempre fez. E eu cheguei a pensar que, ao haver um serviço deste género, anunciado na televisão e tudo, talvez as pessoas começassem a julgar menos a vida conjugal alheia.

Outro dia, uma ouvinte do podcast americano Savage Lovecast expunha um curioso dilema: nunca os seus pais se tinham dado tão bem, nunca lhe tinham parecido tão felizes. E, no entanto, a ouvinte descobrira que o pai tinha arranjado uma amante e não sabia se havia de o denunciar à mãe. O anfitrião, Dan Savage, aconselhou-a a não o fazer. É que, ao resolver o seu problema de luxúria fora de casa, o pai resolvera também o seu problema de amor dentro de casa. Por estas e por outras, pensei que o site Ashley Madison pudesse ser o primeiro passo para esta assunção, ainda que discreta, do adultério enquanto acessório do matrimónio numa altura em que se começa a falar cada vez mais do problema dos casamentos assexuados (segundo o Huffington Post, um dos termos mais procurados na internet).

Claro que isto é só uma teoria aplicada friamente a uma realidade que muita gente preferirá abafar com o cobertor do romantismo ou da moral. Aliás, se bem me conheço, dificilmente a poria em prática – mas isso tem a ver com o meu entendimento do amor e da intimidade. Que é só meu e não apregoo.

Na verdade, tal como é impossível aplicar esta teoria a toda a gente, também é impossível moralizar sobre as infindáveis formas de amor que se estabelecem entre duas pessoas. Ou três. Uma coisa é certa: os 33 milhões de utilizadores do Ashley Madison cujos dados foram revelados por hackers não são os vilões desta história. Os maus da fita são os justiceiros da moral que os denunciaram, provocando um tsunami de culpa que pode até estar na origem de dois suicídios no Canadá. E são também, já agora, os empregados do Ashley Madison que, segundo os últimos rumores, criavam perfis falsos para atrair utilizadores. Não gosto de pessoas mais papistas que o Papa, mas ser-se mais diabólico que o Diabo também é chato.   

Guionista, apresentadora e porteira do futuro

Escreve à sexta e ao sábado