Não consigo deixar de me comover quando fico olhos nos olhos com as imagens das crianças carregadas pelos desesperados pais, na louca travessia da Europa à procura de um eldorado.
Quando entrei no Iraque no começo de abril de 2003, percebi que a anunciada operação de libertação daquele povo seria uma um gigantesco problema. O Iraque tinha um nível de vida elevado, prosperava, as pessoas sonhavam e conseguiam ter tranquilidade para criar os filhos, embora dentro de uma sempre presente tutela de um regime com fracas noções de democracia. A chegada dos americanos e dos aliados foi pouco saudada pelo povo que tinha perdido o emprego com a guerra, tinha a casa e a família destroçada e no horizonte nada surgia de bom. Os americanos não conseguiram pacificar o país, muito pelo contrário, não devolveram a democracia e fomentaram o extremismo e a divisão entre as tribos e énias que Saddam tinha conseguido apaziguar. O desemprego, a falta de horizonte para sonhar, deixaram aos radicais o campo perfeito para recrutar um exército de fanáticos que tornou o Iraque ingovernável e potenciou o nascimento do estado islâmico que já tinha na Síria a terra perfeita e um generoso apoio involuntário do ocidente e uma receita de milhões do petróleo que facilmente vendem no mercado paralelo. O ocidente não percebeu e ainda não quer perceber isto, deixando os povos daquelas terras abandonado, no meio de uma guerra e de um regime medieval que julgávamos já ter apagado deste nosso tempo. Os mesmos que controlam realmente grande parte da costa da Síria organizam a fuga dos desesperados que estão a criar a troco de tudo o que eles têm e não tem. A Europa e o mundo demoram a agir, socorrem os que podem nas águas do Mediterrâneo, mas agora tem uma vaga de desesperado a caminho da Alemanha. Às vezes parece não estar no mesmo mundo que ocupou o Iraque com aquela força toda em nome da liberdade de um povo e da destruição de armas, que afinal não existiam. Porque é que os líderes de hoje não agem? Não travam a barbárie do estado islâmico que até Palmira já destruiu, para além da vida destes milhões e milhões de inocentes?
O que é que ainda é preciso acontecer para a chamada comunidade internacional acordar?
Jornalista RTP
Coordenador Jornal 2 – RTP2
Escreve à sexta-feira