Pesca da sardinha. Se este ano já foi mau, 2016 pode ser 10 vezes pior

Pesca da sardinha. Se este ano já foi mau, 2016 pode ser 10 vezes pior


Em 2016, a temporada pode cingir-se a menos de uma semana.


Se a situação já foi crítica este ano, com os principais portos de pesca do país a esgotar a quota permitida mais cedo do que nunca, em 2016 o panorama vai complicar-se ainda mais, se Portugal seguir as recomendações europeias que tem cumprido desde 2012.

Em Julho deste ano, o parecer científico do Conselho Internacional para a Exploração dos Mares (ICES) recomendou que as capturas de sardinha em águas ibéricas não ultrapassem as 1587 toneladas em 2016, um décimo da quantidade permitida este ano. De acordo com o parecer do ICES, “a biomassa de peixes com um ano e mais de idade tem diminuído desde 2006 e está actualmente num mínimo histórico”. Apesar de não ser obrigatório, o parecer emitido por especialistas de toda a União Europeia é geralmente adoptado por Portugal e Espanha, já que a consequência é a União Europeia passar a gerir o stock de sardinha ibérica.

Humberto Jorge, da Associação Nacional das Organizações de Produtores de Pesca de Cerco (Anopcerco), diz que o sector em Portugal não pode aceitar esta limitação nas capturas, afirmando que as 1587 toneladas não dão “nem para uma semana de pesca”. Se assim for, 2016 poderá ser um ano em que a actividade vai parar, tendo a sardinha de ser importada quase na totalidade. 

A ministra Assunção Cristas deixou claro ontem que não pode desviar-se do objectivo de “recuperar o stock da sardinha, porque a situação é, de facto, muito grave e muito dramática”, e “se não tomamos medidas de acautelamento podemos correr o risco de deixar de ter sardinha nas nossas costas”, antevê a governante.

Outra perspectiva “O que está em causa não é o fim da espécie. Este nem sequer é um caso de sobrepesca”, defende Humberto Jorge, aludindo ao problema de as quotas estabelecidas para a pesca da sardinha ibérica este ano já se terem esgotado em dois portos do país – uma situação inédita na história da pesca em Portugal.
Desde sábado que os pescadores de Peniche e da Nazaré estão impedidos de capturar esta espécie. Esgotaram a quota fixa estabelecida para este ano: 13 mil toneladas. Não tarda, dentro de poucas semanas, outros pontos de norte a sul do país passarão pela mesma situação. 

Para Humberto Jorge, é “ridículo” e “absurdo” não alargar as quotas deste ano em 15%, pelo menos, “para assegurar que não faltava sardinha em pleno Agosto”, algo que nunca aconteceu no país. As reivindicações feitas pela organização de pescas do centro (Opcentro), que representa Nazaré e Peniche, e por dez municípios que exigiam um alargamento da quota para o ano seguinte, não chegaram a bom porto, tendo a ministra Assunção Cristas mostrado irredutibilidade nesta matéria. 

A associação, sindicatos e municípios pediam maior flexibilização do governo, lembrando que os limites estabelecidos devem ser revistos e ajustados de acordo com os pareceres científicos, mas também conforme aquilo de que os pescadores se vão apercebendo no mar. E os sinais que vêm de quem anda nestas lides é de que há uma “clara recuperação” da espécie, assegura o representante da Anopcerco, garantindo que já não há escassez desta espécie. Não há tanta como havia antes de 2012 – isso é certo –, mas já há “com abundância”, destaca, preferindo não dramatizar: “A sardinha não está nem vai acabar”, reforça. Mas não é esse o entendimento dos especialistas nem da ministra. 

Ministra irredutível Por parte da tutela, a posição foi, como tem sido sempre, de firmeza em manter o que ficou determinado no Plano de Gestão da Sardinha elaborado em 2011. No entanto, o Ministério da Agricultura e do Mar assegurou ontem a atribuição de compensações até ao final do ano aos pescadores que vão ficar em terra: podem chegar aos 27 euros por dia aos donos das embarcações – os armadores. Já as compensações aos tripulantes são fixas: 20 euros para marinheiros e pescadores, 24 euros para mestres e 27 euros para oficiais. 
A ministra tem vindo a sustentar que Portugal se comprometeu com “um plano que tem números para serem cumpridos”. “Não podemos (…) a meio dizer que queremos mais quota e mais flexibilidade” sob pena de a quota piscatória do ano seguinte ser ainda mais penalizadora, reforçou, insistindo que as organizações que reúnem os pescadores continuam a ter alternativa à sardinha. 

alternativas A pesca da cavala e do carapau, com quota de pesca ainda disponível, pode ser opção. Mas grande parte destes pescadores não estão dispostos a isso porque não é viável, dado o pouco valor comercial destas espécies (muito inferior ao da sardinha). E nesse caso “não nos restará alternativa senão parar as embarcações”, lamenta o responsável. 

Pescar em Marrocos E pescar na costa marroquina? Ao abrigo da parceria entre a União Europeia e o país do norte de África, as águas marroquinas estão abertas a navios de pesca de cinco Estados-membros: Espanha, Holanda, Letónia, Lituânia e Portugal. As condições climatéricas permitem, por exemplo, a captura de sardinha no Inverno. No entanto, o número de licenças atribuídas a Portugal é baixo. 

Humberto Jorge diz que para este tipo de pescaria e de embarcação (que utiliza a técnica do cerco) “não é de todo uma possibilidade” ir até águas marroquinas. “Com apoios ou sem apoios, esta é sempre uma questão dramática” não só para os pescadores e as suas famílias como também para outros trabalhadores envolvidos na frota, conclui.
Em 2014, ano em que 70% da sardinha consumida em Portugal foi importada (sobretudo de Marrocos), as quotas esgotaram em meados de Setembro, tendo os pescadores voltado ao mar para nova safra meio ano depois, em Março, passada a fase de reprodução e altura em que a sardinha começa a engordar e a fazer as delícias de qualquer português (e de qualquer estrangeiro que por terras lusas se passeie). 
E para o ano? Sardinhas portuguesas, nem vê-las.