A meio do litoral alentejano, Grândola é paragem obrigatória para quem vai a caminho do Algarve. Na vila mais morena de Portugal faz-se jus à música de José Afonso. Aqui fica também a terra da fraternidade.
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Aparecemos pelo Café Central num sábado exactamente a meio de Agosto, já ao fim da tarde, porque durante todo o dia não faltou trabalho à família Gomes. Ao que parece meio país estava a caminho do Algarve e não abdicou de uma paragem naquela esplanada. “No Verão é sempre assim”, diz Ana, mulher de Prudêncio, o dono do café.
Mas ao fim do dia eram mais os conterrâneos a manter a conversa em dia e a conviver às mesas do Central.
Com o café aberto há 34 anos, Prudêncio foi falando enquanto satisfazia os pedidos dos clientes mais habituais da casa.
O café e o dono são, sem margem para dúvidas, do Benfica, e é ali que muitos dos grandolenses se juntam para ver a bola.
Na vila é conhecido como “o Central” ou o Prud’s bar e vai lá toda a gente, dos miúdos da escola para almoçarem a especialidade da casa, os hambúrgueres, passando pelos que vão à procura dos famosos petiscos com as “minis alentejanas”, aos amigos que ali se sentem “extraordinariamente confortáveis”, como é o caso do Tonica do talho. E vão lá todos os dias para pôr a conversa em dia.
Agora, no Verão, é que passa “muita gente diferente”, como os que aparecem da estação rodoviária, que fica mesmo ao lado do Central, e não resistem a ir lanchar ou beber café, ou os que vêm de carro a caminho do Algarve.
A esplanada que fugiu
A dona Ana diz com muito orgulho que nos dias em que a selecção joga tudo é diferente: “Aí sim, o café está mesmo cheio e o Prudêncio põe lá em cima, na varanda, uma bandeira quase do tamanho da parede.”
Mas há um facto que desgosta os proprietários do Central, bem como alguns dos clientes. Há 15 anos o café tinha a maior esplanada da vila, onde as crianças deambulavam entre inúmeras cadeiras, mas as obras feitas ao sabor de quem não conhecia o espaço, segundo os testemunhos de alguns amigos da casa, separaram a esplanada, que passou para o outro lado da rua. “Quando lá chego com o café ele já está morno”, diz Ana.
Sendo Grândola um dos bastiões do comunismo e da luta contra o anterior regime, a vila comemorou em grande a chegada da liberdade em 1974. E foi precisamente à porta de onde é hoje o Central que a população se reuniu.
Muitas histórias aconteceram neste mítico café – que antes da inauguração da auto-estrada para o Algarve recebia muito mais veraneantes –, mas Prudêncio não se esquece do dia em que viu João Santos, antigo presidente do Benfica, entrar porta adentro. Ainda queria ter falado com ele a propósito de um jogador grandolense que tinha ido para o Espinho, mas acabou por não ter tempo para isso.
Apesar de aqui também se sentir a crise, a família Gomes não se queixa do negócio e diz que sempre tiveram alguns empregados. Mesmo assim, a D. Ana refere que desde que lhe dividiram a esplanada não é a mesma coisa. Além do “corte” na esplanada, a concorrência também aumentou nos últimos tempos: “Antes só havia meia dúzia de cafés na vila, agora há uma data deles”, diz Prudêncio.
O que se come aqui
Sendo o Alentejo uma região com um humor muito característico, os hambúrgueres, uma das especialidades da casa, não podiam fugir à ironia: há o cheese Alentejano, o Cheese Mata-Fome e ainda o Cheese Fominha. Depois há os normais, como em qualquer lado, explica Prudêncio.
Mas aqui também há minis alentejanas (são as melhores, por serem “mais fresquinhas que as outras”, explica um cliente alentejano), há pipas, choco, polvo e chouriço na chapa – “está a ver aquela chapa ali? É sempre a dar”, continua Tonica a elogiar o café do amigo. Isto para não dizer o que disse vezes sem conta – “a antiga esplanada era a melhor aqui de Grândola”. Enquanto a conversa rolava, Prudêncio ia tratando da chapa. No café era um corrupio.
Gastronomia e artesanato
A Feira de Agosto é a montra do concelho, onde o artesanato e a gastronomia marcam pontos, revelando as potencialidades da terra. Para animar a festa, que decorre de 27 a 31, não faltará música, com dois nomes fortes da música portuguesa, GNR e António Zambujo, além dos sons angolanos na voz de Big Nelo e seus comparsas.
Sendo um dos acontecimentos do ano, a família Gomes aproveita o encerramento da feira para também encerrar portas, para as merecidas férias.
Durante esse descanso o amigo Tonica e muitos outros não poderão começar a animar a casa a partir das sete da manhã, altura em que normalmente abre portas, para depois as encerrar por volta das 23 horas. Mas quando havia a célebre esplanada colada ao café, a festa prolongava-se até às duas da manhã, sendo precisos quatro ou cinco empregados para servirem todos os clientes: os da terra e os passageiros do asfalto.
A D. Ana diz mesmo que tinham clientes que vinham todos os anos, quando estavam a caminho do Algarve, porque adoravam a esplanada. “Era um espectáculo, a nossa esplanada”, tão grande que D. Ana nem se lembra de quantas pessoas levava.
Ficha do Café Central de Grândola
Ano: 1981
Dono: Prudêncio Lamas Pereira Gomes
Especialidade: Hambúrgueres
Preço do café: 0,60€
Preço da cerveja: 0,80€
Clube de futebol do dono: Benfica