Os guarda-sóis da esplanada escondem um tímido “Central” escrito no toldo do café que – fazendo jus ao nome – serve de centro à Meadela. Mas para quem conhece os cantos à freguesia não são precisas placas nem sinalização para saber qual o caminho a seguir. Que o diga José Soares, que encontramos a ler o jornal, já com a chávena do café arrumada numa das esquinas da mesa. Este é o cenário de uma terça-feira à hora de almoço, mas quase como se de uma máquina do tempo se tratasse, garante-nos José que o cenário seria igual independentemente do dia da semana. “Venho cá todos os dias tomar o meu cafezinho e ler o jornal”, conta, enquanto vira mais uma página do “Jogo”. “Pena só terem este”, lamenta o sportinguista.
Clubismos à parte, Cristina Brito prefere assumir posição dianteira na esplanada. Vizinha do lado do Central, passa tanto tempo no café como aquele que qualquer pessoa passa entre a cozinha, o quarto e a sala. “No mínimo dos mínimos três vezes, de manhã, à tarde e à noite”, admite, “mas se tiver alguém que me desafie, venho mais vezes”. Para esta habitué, a animação varia consoante o recheio das carteiras e, por isso, no início do mês há sempre mais gente a fazer–lhe companhia. Talvez por apanharmos o mês a meio, o café não está cheio, mas já é preciso esperar uns minutos para conseguir lugar à sombra de um dos toldos. Em jeito de justificação, o gerente chega-se à frente e garante que as noites no Central são sempre mais animadas que os dias, principalmente se forem quentes. “Foge tudo para a praia”, garante Miguel Silva, que gere o Central há um ano. Sem qualquer experiência na área, contou com os amigos para o ajudarem com os pedidos da primeira semana. “Depois de dois meses fechado, entre a mudança de gerência, o primeiro dia era aqui gente que Deus me livre”, recorda.
Quando entrou ao serviço, Miguel fez questão de mudar alguns pormenores da decoração e do conceito original. Se à primeira vista o Central tem como montra uma série de refrigerantes, meia dúzia de bolos e batatas fritas de vários sabores, basta um olhar mais atento para se perceber que a oferta deste café vai muito além de snacks e bebidas de lata. A contrastar com um balcão de produtos que não têm nada de diferenciador está uma parede forrada de arte e prateleiras cheias de poesia. Nas últimas segundas de cada mês, Miguel organiza uma noite especial com sessão de leitura, música ao vivo e uma exposição de pintura ou fotografia que fica patente até à sessão seguinte. “O espaço já começa a ser pequeno para a gente que cá vem nessas noites”, conta, com o orgulho de quem já conseguiu conquistar os da terra. “Se no início era só gente de fora, agora a casa já se enche de caras conhecidas.”
O cinema da freguesia Se agora é a poesia a assumir o lugar primeiro das artes divulgadas pelo Central, tempos houve em que a pequena televisão a preto e branco era a única tela de cinema das redondezas. Se para Cristina ficaram na memória as noites de Festival da Canção, a ala masculina – que entretanto se juntou à conversa – recorda o Mundial de 66, jogo em que o 5 a 3 de Eusébio até fez as cadeiras andarem no ar.
Mas nem todos tinham acesso à primeira fila deste cinema improvisado. Crianças e quem não tivesse dinheiro para consumir tinham de ficar a espreitar da janela. Mas como com todas as regras, também esta teve excepção. “Na chegada do homem à Lua, o Luisinho abriu a porta a toda a gente.” E pronto, está dado o mote para que todas as bocas da esplanada se abram em elogios ao antigo proprietário do café.
Entre golos no café e passas nos cigarros que acende continuamente, Hélder recorda um homem que apesar da baixa estatura (que fez com que fosse conhecido por um nome acabado em “inho”), era o maior, não da aldeia, mas da freguesia. “Era um caçador exímio”, lembra, apontando para uma esquina do café que, se hoje é ocupada por estantes de livros, noutros tempos já serviu de vitrina a animais embalsamados. “Chegava a tratar do embalsamamento em cima do balcão”, conta, o que nos deixa a imaginar o olhar arregalado dos miúdos que espreitavam tudo pela janela.
No meio de armas imponentes e animais mortos a servir de troféu, passeava-se pelo Central uma espécie viva – “e bem viva”, garante Hélder – que acabou por se tornar mascote. “O macaco Bissau foi trazido por um retornado como prenda ao Luisinho e, a partir daí, passava cá o dia a saltar de mesa em mesa”, conta, entre risos.
{relacionados} As histórias sobre Luisinho não têm fim, seja sobre o seu humor “à Monty Python” ou o olhar ameaçador que punha todos em sentido, mesmo sem palavras. Miguel assiste ao rol de elogios de braços cruzados, encostado à porta. Num dos poucos segundos de silêncio, alguém se apercebe de que quem levantou um negócio que estava fechado também merece ser gabado. “Só tivemos boa gente a passar por aqui”, garante Hélder. Os acenos positivos de cabeça não deixam dúvidas sobre a qualidade do serviço e o sorriso envergonhado de Miguel não esconde a surpresa de ser colocado no mesmo patamar que Luisinho, o grande.
Café Central da Meadela
Ano: 1960
Dono: Miguel Silva
Preço do café: 0,60€
Preço da imperial: 0,90€
Especialidade: Amêijoas à Central
Clube de futebol do dono: Sporting