Planos para as férias


E, se vos parece que este filme se aproxima cada vez menos do “Thelma e Louise” e mais de uma fita porno de segunda categoria, eis que acaba de chegar um mecânico muito parecido com o George Clooney. Diz que “vai ter de pegar de empurrão, salvo seja”.


© Shutterstock

Uns perdem facilmente a paciência, outros consideram a espera uma dádiva, coisa rara nos tempos de estimulação ajavardada que vivemos. Escrevo esta crónica numa daquelas raras e deliciosas situações em que nada me resta senão esperar que alguém me venha resolver um problema.

Eu e uma amiga tínhamos planos para estes dias. Mais ou menos. O meu não era muito diferente do que acabou por acontecer – não fazer nada –, mas era um plano e isso faz toda a diferença. O meu plano era ir para a praia, adormecer e acordar numa poça satisfeita de baba. Mas, na noite anterior, tínhamos criado teorias procrastinativas sobre como o metabolismo se desgasta mais a fazer planos do que a concretizá-los.

Ter uma aula de surf, comprar comida no supermercado e tomar o pequeno-almoço a olhar para o mar, pôr o rabo de molho na banheira tépida de São Torpes – foram alguns dos objectivos que não delineámos e que não anotámos para não os cumprirmos no dia seguinte. A energia que temos perante coisas que acontecem quando não estamos à espera é bastante maior do que aquela que reservamos para as que pretendemos fazer acontecer. O medo de falhar é a minha kryptonite, tira-me logo força para planear o que quer que seja.

O que aconteceu, na verdade, foi que partimos de Lisboa numa Volkswagen Westfalia de 1981 para passarmos dois dias numa casinha com rodas ao pé da praia. Podíamos ser uma versão de Thelma e Louise em hippie, mas não só temos vidas demasiado boas para fugirmos como nunca nos poderíamos suicidar em beleza – pelo menos, não a partir do momento em que descobrimos que o motor de arranque estava pifado. Nada menos cinematográfico do que termos de empurrar uma carrinha para nos lançarmos condignamente ravina abaixo.

E então não houve aula de surf nem rabo de molho, nem nada daquilo que provavelmente não iríamos fazer. Estendi–me no sofá daquela casa com rodas e comecei a escrever esta crónica.

Agradeci por este momento de impotência criativa enquanto várias pessoas se aproximavam do veículo para mandar palpites: o senhor catalão que quase batia na mulher de cada vez que ela tentava mostrar alguns conhecimentos de mecânica, o agente da GNR montado numa bicicleta, o senhor das bilhas do gás. Sim, o senhor das bilhas do gás.

E, se vos parece que este filme se aproxima cada vez menos do “Thelma e Louise” e mais de uma fita porno de segunda categoria, eis que acaba de chegar um mecânico muito parecido com o George Clooney. Diz que “vai ter de pegar de empurrão, salvo seja”, e aí vamos nós de volta para Lisboa. Tal como não tínhamos planeado.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado

Planos para as férias


E, se vos parece que este filme se aproxima cada vez menos do “Thelma e Louise” e mais de uma fita porno de segunda categoria, eis que acaba de chegar um mecânico muito parecido com o George Clooney. Diz que “vai ter de pegar de empurrão, salvo seja”.


© Shutterstock

Uns perdem facilmente a paciência, outros consideram a espera uma dádiva, coisa rara nos tempos de estimulação ajavardada que vivemos. Escrevo esta crónica numa daquelas raras e deliciosas situações em que nada me resta senão esperar que alguém me venha resolver um problema.

Eu e uma amiga tínhamos planos para estes dias. Mais ou menos. O meu não era muito diferente do que acabou por acontecer – não fazer nada –, mas era um plano e isso faz toda a diferença. O meu plano era ir para a praia, adormecer e acordar numa poça satisfeita de baba. Mas, na noite anterior, tínhamos criado teorias procrastinativas sobre como o metabolismo se desgasta mais a fazer planos do que a concretizá-los.

Ter uma aula de surf, comprar comida no supermercado e tomar o pequeno-almoço a olhar para o mar, pôr o rabo de molho na banheira tépida de São Torpes – foram alguns dos objectivos que não delineámos e que não anotámos para não os cumprirmos no dia seguinte. A energia que temos perante coisas que acontecem quando não estamos à espera é bastante maior do que aquela que reservamos para as que pretendemos fazer acontecer. O medo de falhar é a minha kryptonite, tira-me logo força para planear o que quer que seja.

O que aconteceu, na verdade, foi que partimos de Lisboa numa Volkswagen Westfalia de 1981 para passarmos dois dias numa casinha com rodas ao pé da praia. Podíamos ser uma versão de Thelma e Louise em hippie, mas não só temos vidas demasiado boas para fugirmos como nunca nos poderíamos suicidar em beleza – pelo menos, não a partir do momento em que descobrimos que o motor de arranque estava pifado. Nada menos cinematográfico do que termos de empurrar uma carrinha para nos lançarmos condignamente ravina abaixo.

E então não houve aula de surf nem rabo de molho, nem nada daquilo que provavelmente não iríamos fazer. Estendi–me no sofá daquela casa com rodas e comecei a escrever esta crónica.

Agradeci por este momento de impotência criativa enquanto várias pessoas se aproximavam do veículo para mandar palpites: o senhor catalão que quase batia na mulher de cada vez que ela tentava mostrar alguns conhecimentos de mecânica, o agente da GNR montado numa bicicleta, o senhor das bilhas do gás. Sim, o senhor das bilhas do gás.

E, se vos parece que este filme se aproxima cada vez menos do “Thelma e Louise” e mais de uma fita porno de segunda categoria, eis que acaba de chegar um mecânico muito parecido com o George Clooney. Diz que “vai ter de pegar de empurrão, salvo seja”, e aí vamos nós de volta para Lisboa. Tal como não tínhamos planeado.

Guionista, apresentadora e porteira do futuro
Escreve à sexta e ao sábado