“Tomara eu que não fizesse sentido nenhum existirem”, desabafa António Serzedelo, figura histórica do activismo LGBT em Portugal. É assim que reage à pergunta do i: faz ou não sentido, num momento em que as sociedades ocidentais aceitam, cada vez mais, as diferenças e opções sexuais de cada um existirem locais directamente virados para o público gay?
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O comportamento homossexual, “tão normal como beijar o companheiro ou a companheira”, ainda continua a levar hoje em dia, em muitos dos casos, a “demonstrações de grande antipatia”, defende”. O activista dá como exemplo o que se passa nas discotecas: “Nas mais viradas para os heterossexuais, as pessoas não se atrevem a ter uma demonstração de afectos que possa ter outra leitura.”
Também Fabíola Cardoso, activista dos direitos LGBT, concorda com a existência de locais “amigos dos gays”. “Sentia-se confortável a sair com os seus amigos para os mesmos locais onde vai agora se fosse homossexual?”, questiona. A resposta provavelmente seria “não”.
A activista é também professora e revela que nunca viu um casal de pessoas do mesmo sexo a beijarem-se no pátio com naturalidade numa escola secundária. “Se o fizessem poderia não acontecer nada, mas a verdade é que ainda não o fazem. E não o fazem porque têm razões para isso: têm medo das consequências que daí poderiam vir”, defende.
A legalização do casamento gay em todos os estados norte-americanos foi “um passo muito importante” para que cada vez mais pessoas se coloquem “do lado certo da história”: o da igualdade. Na passada quarta-feira, foi a vez de Tony Abbott, primeiro-ministro australiano que sempre se afirmou contra o casamento gay, lançar a possibilidade de fazer um referendo a esta questão.
“O referendo continua a mostrar que é contra”, explica Paulo Côrte-Real: “Significa aceitar que uma maioria decida os direitos das minorias e isso não é uma decisão progressista.” O vice-presidente da ILGA considera que ainda “é preciso muito para que toda a história de preconceito que mina a vida das pessoas seja destruída de modo a que toda a gente tenha acesso a tudo”.
António Serzedelo não tem dúvidas de que vivemos numa sociedade mais aberta quando comparada com a que existia há vinte anos: “Hoje se estiverem duas pessoas homossexuais de mão dada não acontece nada, se se beijarem já é capaz de causar reacção.”
GAY FRIENDLY
Fabíola Cardoso defende que, independentemente da orientação sexual, todos devem exprimir livremente a sua afectividade: “Devemos fazê-lo de uma maneira saudável mas ainda não chegámos ao ponto em que isso é uma prática habitual socialmente.”
Os locais gay friendly permitem, especialmente para os jovens, um contacto com a realidade: “Muitos jovens gays e lésbicas não conhecem outros gays e lésbicas e essa convivência é importante.” Contudo, a questão não se resolve com uma “guetização”: “O ideal seria um dia não existirem esses espaços mas, neste momento, para contribuir para a própria transformação social, ainda são necessários.”
Os bares e discotecas gay friendly permitem que as pessoas se possam exprimir, colocar questões, conhecer e dar a conhecer a realidade “de uma forma menos pesada”. Para Fabíola Cardoso, estes locais fazem sentido até por “uma questão de os jovens terem “referências positivas e de construção da própria identidade”, uma vez que as imagens socialmente transmitidas ainda continuam a ser bastante estereotipadas.
António Serzedelo classifica os espaços “amigos dos gays” como locais de “segurança e conforto”. Trata-se de uma questão social e da forma como “as pessoas se sentem confortáveis”, no entender do activista.
Fabíola Cardoso fala em sobrevivência: “Não quer dizer que na família ou na sociedade um jovem homossexual não venha a assumir a sua orientação sexual mas, numa fase inicial, seria útil para ele ter pessoas a quem colocar questões”, diz, acrescentando que “esses sítios, não devendo ficar fechados e transformados em guetos, são necessários num processo de desenvolvimento de uma identidade positiva e natural.”
Paulo Côrte-Real concorda com a existência de locais gay friendly mas deixa um desafio: “Precisamos de trabalhar para que toda a sociedade seja gay friendly”. Ainda estamos muito longe disso: “Basta pensar na dificuldade que as pessoas têm em sair do armário”, remata.