Slowdive. “O tempo tem destas coisas e 20 anos fazem milagres”

Slowdive. “O tempo tem destas coisas e 20 anos fazem milagres”


Separaram-se em 1995 mas no ano passado regressaram aos palcos. O vocalista e compositor Neil Halstead fala-nos de ambas as realidades e de um novo álbum que está para vir. Dia 19 actuam no Festival de Paredes de Coura.


Não foi fácil apanhar Neil Halstead ao telefone. Não especialmente por ter muito trabalho, mas porque nem sempre ouve o telefone. “É um problema que tenho”, diz-nos. Quando finalmente atende, fala como faz música: sem pressas, mas a enrolar a vítima no discurso. Não tem distorção na voz, mas apostamos que vai parecer sempre um quase-adulto com tantas certezas como dúvidas. Era sobre isso que escrevia e cantava com os Slowdive, ingleses que entre 1989 e 1995 ajudaram a definir o que outros catalogaram de showgaze, rock entre o dramático e o sonhador, de mão dada com tiques de psicadelismo mas a acreditar que uma muralha de guitarras ao desafio poderia salvar o mundo (outros peritos nisto eram tipos como os Ride ou os My Bloody Valentine, ambos regressados há pouco tempo). Cinco EP e três álbuns depois, separaram-se porque “tinha de ser” (apesar de uma segunda vida como Mojave 3). Continuaram a acumular fãs e quando voltaram aos palcos no ano passado fizeram-no com glória. No próximo dia 19 tocam no arranque do Festival de Paredes de Coura. Neil atende-nos então o telefone. Logo ao início da conversa diz-nos que não se importa de responder a perguntas que já lhe fizeram muitas vezes. E nós vamos por aí.

Porquê este regresso dos Slowdive?
Tinha feito uns concertos com a Rachel, as coisas tinham corrido bem, pensámos “por que raio não havemos de convidar o resto das pessoas para tocar?”. E bom, convidámos o resto das pessoas para tocar. Demos uns quantos concertos para perceber em que ponto estávamos e percebemos que estávamos no ponto certo, tudo coisas boas. E era a altura certa também.

Porque tinha saudades desta banda?
Não sei bem, talvez, mas acho que só percebi isso depois de começarmos a tocar. Tinha saudades sobretudo da electricidade, de sentir a força deste tipo de som em palco. É uma coisa que quem experimenta nunca mais esquece. Andava a fazer música acústica há uns tempos, precisava da adrenalina que só a música com volume e distorção oferece. E uma das coisas melhores de voltar a tocar como Slowdive é juntar estas pessoas outra vez. É aquela coisa da amizade.

E isso não o levou a pensar nas razões que ditaram a separação do grupo há uns 20 anos? São motivos que hoje já não se colocam?
Nessa altura era a coisa certa a fazer. Talvez fosse até a única coisa a fazer. Estávamos naquilo há seis anos, pode ser muito e pode ser pouco, depende de muita coisa, mas connosco foi muito. Talvez porque éramos muito novos quando assinámos um contrato e as coisas tendem a valer o dobro quando assim é. De qualquer maneira, o fim da banda na altura não pareceu nada de especial, foi só o fim e pronto. Tínhamos feito três discos e depois queríamos fazer outras coisas. É como qualquer relação que chega ao final porque queremos fazer outras coisas e ter outras experiências. Hoje estamos nisto porque é divertido de fazer.

E porque vão fazer um disco novo.
Sim, era uma das coisas que mais queria fazer. Isso faz parte do plano, sem dúvida. Mas não há muito mais planeado. Na verdade, não há nada planeado, vamos ver o que acontece e como acontece. Temos é a certeza de que não queremos ser apenas uma banda que está aqui a recuperar um legado ou a reviver o passado, queremos ter actividade como qualquer outro grupo. Mas agora temos de ter em conta tudo o resto que acontece nas nossas vidas. Temos famílias e esse tipo de coisas, temos mesmo, e é preciso que tudo encaixe.

Há uma grande responsabilidade da vossa parte em regressar ao estúdio? Isto porque com apenas meia dúzia de anos de actividade conseguiram influenciar muitos músicos que vieram depois, tornaram-se uma referência e foram acumulando fãs ao longo dos tempos…
Acho que nunca prestámos muita atenção a isso. Quando os Slowdive acabaram, cada um de nós seguiu o seu próprio plano – e todos nós tivemos um plano. No ano passado, quando regressámos aos concertos e vimos que aparecia muita gente, que os fãs se entregavam às canções de maneira tão intensa, aí acho que todos parámos para pensar “isto é incrível”.

É curioso que quando lançaram o primeiro álbum a crítica foi, em alguns casos, bastante negativa. Hoje são elogiados por todos. 
Sim, mas isso é normal. É até o standard das histórias rock’n’roll. Tal como as etiquetas que põem nas coisas. A nós chamaram-nos shoegaze porque estávamos sempre a olhar para baixo, e era sobretudo por causa dos pedais das guitarras. E depois inventam outros, nada de especial. Connosco foi um pouco difícil de digerir na altura, parecia que estávamos numa montanha-russa. Com as nossas primeiras canções fomos muito elogiados, depois disseram mal de nós e assim sucessivamente. As perspectivas mudam, o tempo tem destas coisas e 20 anos fazem milagres. Mas várias bandas são recuperadas aos olhos da crítica desta mesma maneira. Contemos mais 20 anos para ver como falam de nós.

E que tipo de público é esse que vai aos vossos concertos?
Muita gente da nossa idade, que ouviu estas canções quando as fizemos, mas sobretudo gente nova, muito mais nova que nós, certamente alguns ainda não tinham nascido quando gravámos algumas destas coisas. Gente que tem agora a idade que nós tínhamos quando fizemos as canções. Parece que de alguma estranha maneira tudo isto faz sentido, um sentido meio cíclico.

E calha bem, porque na música dos Slowdive há muita angústia juvenil, muito de “agora não que estou a caminho de ser adulto e não queria”…
Talvez. E isso é verdade. Mas continuo a gostar muito de tocar estas canções. Claro que quando canto algumas das letras há pormenores que me fazem pensar “eras tão miúdo quando escreveste isto”. Mas na maioria dos casos percebo e relaciono-me com o que se está a passar em cima do palco. E de alguma maneira isso faz com que não exista um prazo de validade para nada disto. E pensar que nada foi planeado naquela altura. 

A escrever novas canções, serão da família das anteriores ou serão coisas completamente diferentes?
Nunca vamos ter um caminho claro para as definir. Pelo menos, não por enquanto. Estamos por toda a parte no que toca a criatividade. O último disco que lançámos foi o “Pygmalion”, há 20 anos, e esse já não teve nada a ver com os anteriores. Curiosamente, é desse que mais gosto, e adoro tocar essas canções agora. Esse e os três primeiros EP [“Slowdive”, de 1990, “Morningrise”, de 1991, e “Holding Our Breath”, de 1991]. 

E “Souvlaki” [1993], que é quase sempre apontado como o vosso melhor disco?
Pois. Percebo isso e fico contente. Mas não é o meu favorito. Talvez porque me tenha custado muito a fazer, porque surgiu durante um período complicado, talvez por isso não seja assim tão favorito. 

Estar outra vez em digressão com os Slowdive está a ser o que esperava?
Nunca deixei de tocar nem de fazer digressões. Ainda há pouco tocava com os Sun Kil Moon. O problema é que agora tudo custa mais. Não é só porque estamos mais velhos, é porque temos de tocar mais. Ninguém compra discos e é preciso tocar para pagar as contas. Há alguma pressão, não é sempre confortável, pode tornar-se até uma coisa solitária. Perfeito perfeito? Haver um balanço entre estas coisas e não estarmos demasiado dedicados a nada em específico. Ao mesmo tempo, ninguém aguenta demasiado tempo num estúdio, ninguém.

Fundou a banda com a Rachel Goswell e eram ambos o motor criativo das canções. Essa liderança mantém-se hoje?
Como escrevi quase tudo, talvez tenha sido eu a ocupar mais o lugar de líder, mas sempre fomos muito democráticos. E acontece que adorava passar horas no estúdio, levar as canções e depois ficar ali a produzir. Os outros não estavam tão interessados nisso, por isso tudo batia certo. Mas o Nick [Chaplin, baixista], por exemplo, orientava as horas das coisas e certificava-se de que toda a gente aparecia no sítio certo, na altura certa, que as sessões no estúdio podiam acontecer. Nada disto sou só eu ou é só a Rachel. Se assim fosse, nunca teríamos chegado a lado algum.