TV. Quando entra a madrugada o país dorme e as notícias também

TV. Quando entra a madrugada o país dorme e as notícias também


Depois da 1h para apanhar noticiários o melhor é a rádio. Nos canais de informação, só a partir das 6h.


A campanha eleitoral está à porta e com ela começam a redesenhar-se os espaços televisivos para acolher os debates entre candidatos e os painéis de análise e comentário. Com uma ou outra alteração, o modelo anunciado não parece divergir substancialmente do que tem sido apresentado pelas televisões e respectivos canais de informação noutros momentos eleitorais. O espaço de comentário político também não é exclusivo destes contextos. Nos últimos anos, os programas desse cariz têm estado cada vez mais presentes na grelha de programação, sobretudo da TVI24 e na SIC Notícias. O aparecimento de um quarto canal noticioso no cabo, a CMTV, não veio alterar o panorama mimético ao nível temático dos conteúdos noticiosos de uns canais para os outros, que, em conjunto com outros factores, vai retirando gradualmente significado ao conceito de 24 horas de informação com que os canais se apresentavam no início.

Felisbela Lopes, professora da Universidade do Minho e investigadora da área de estudos televisivos, considera que nos canais de informação “a programação continua a ser de fluxo”, ou seja, “há emissões em estúdio, noticiários, e a esses noticiários seguem-se debates em directo”. Mas refere que tem faltado a aposta na renovação de formatos e na criação de programas sobre novas áreas sociais. “Há uma programação que continua muito concentrada na política e no futebol e depois a economia, que é uma área que emergiu há uns anos, é também perspectivada a partir da política. Esse é o maior problema dos canais de informação, a não renovação de formatos e a pouca renovação dos comentadores residentes”. 

Com a chegada do Verão, e apesar de a chamada silly season o ser cada vez menos, a programação também sofre alterações, sobretudo em Agosto, acompanhando o abrandamento das notícias da actualidade mais marcadas pela agenda política. É o caso da CMTV, que adaptou a sua grelha à estação e às férias escolares, introduzindo conteúdos juvenis, como explica ao i o director de informação do canal, Octávio Ribeiro. “Lançámos uma nova série do programa de apanhados ‘Cem Maldades’, passámos a ter comédias nas tardes de domingo e acentuámos as nossas propostas semanais de programas sobre animais. Mas o que é mais relevante na nossa grelha é a capacidade de adaptação ao acompanhamento exaustivo e em directo de qualquer notícia”, ressalva. 

A emissão em tempo real é, de resto, predominante em todos os canais. No caso da CMTV, entre 18 e 19 horas do dia são em directo, segundo refere Octávio Ribeiro, seguindo a tendência dos restantes três canais informativos. “Tal possibilita uma interrupção imediata de qualquer programa para darmos prevalência às notícias. O nosso último serviço de notícias termina, em regra, depois da uma da manhã. As notícias retomam a antena pelas seis horas da manhã. Seguem depois em contínuo até depois da nove da manhã”, explica o director. 

É de facto no horário nocturno e nas madrugadas que se verifica uma redução das emissões em directo e dos noticiários, com os restantes canais a emitirem o último noticiário, por norma com a duração de uma hora, à meia-noite. Por outro lado, nos canais europeus do mesmo tipo, como a espanhola TVE 24H, a francesa France 24 ou as britânicas BBC World News e Sky News, entre as 24h e as 6h00 existem blocos de noticiário de meia em meia hora ou de hora a hora.

A audiência será um dos factores que ditam essa opção nos canais nacionais. Segundo dados da GfK (ver gráfico), com base num universo de lares com subscrição, em 2014 o share dos quatro canais de informação naquele horário, durante a semana, variou entre 1,3% (CMTV) e 2,9% (SIC Notícias), correspondendo a um número médio diário de espectadores por minuto (rating), entre as 24h e as 6h00, 9300 telespectadores no caso da CMTV, e 21 400 no da SIC Notícias. No mesmo ano e horário, o rating na TVI24 foi 17 mil (2,3% de share) e na RTP Informação 12 300 (share 1,7%). Ao fim-de-semana, a CMTV e a RTP Informação registam uma subida durante a madrugada em relação aos outros dois canais.

O país dorme e os canais parecem acompanhar o seu ritmo, perdendo-se o conceito de 24 horas de informação e muitas vezes o acompanhamento de-senvolvido de notícias importantes que possam surgir.

Últimas Horas fora de hora Como em qualquer órgão de informação, as notícias não escolhem horas e, se acontecem depois dos horários em que se concentra a grande parte da emissão em directo, aquilo que é anunciado como última hora em rodapé não tem necessariamente o desenvolvimento noticioso correspondente na emissão nos minutos seguintes, como seria de esperar. Seja porque aquela está ocupada com uma estrutura fixa – espaços de comentário político e desportivo ou outros programas gravados –, seja porque os meios humanos são mais reduzidos no horário nocturno e madrugadas. Para Felisbela Lopes, a falta de recursos que existe nas redacções dos canais de televisão portugueses “espelha a actual crise”, transversal a todas as redacções. “Muitos noticiários depois das 21h são feitos pelo pivot, pelo coordenador e por dois ou três – e se calhar já estou a exagerar – jornalistas de apoio e normalmente até estagiários. Os seniores não estruturam uma redacção pela noite dentro. Então, quando há acontecimentos inesperados, com certeza que as redacções não estão aptas a dar resposta”, sublinha a investigadora.

A opinião é partilhada pela presidente do Sindicato dos Jornalistas, Sofia Branco, que, reconhecendo a importância do estágio para o jornalista que o está a fazer, como parte de aprendizagem da profissão, sublinha que a questão que levanta é “como as redacções estão dependentes desses estagiários”, que, por sua vez, se vão revezando. “Em relação às televisões, fazem os chamados serviços que se diria que seria um jornalista experiente a fazer e que lhes calham porque são feitos ao fim–de-semana ou à noite. Não quer dizer que por ser estagiário vá fazer mal o trabalho, mas são funções de responsabilidade”, refere.

Questionado pelo i sobre a constituição média da redacção da CMTV no horário nocturno/madrugada, Octávio Ribeiro não avança com números, adiantando apenas que “há sempre jornalistas prontos a ser activados de norte a sul”. No caso de haver um acontecimento de última hora durante os horários em que não há noticiários, o director de informação acrescenta que o canal dispõe de uma rede que permite entrar em directo a partir de qualquer ponto país e, se necessário, interromper o que está programado. “Temos todo o território nacional coberto por meios que nos permitem estar em directo com maior celeridade que qualquer dos nossos concorrentes. Na CMTV, quando um facto é considerado muito relevante, a grelha é de imediato abandonada. A nossa essência são as notícias cobertas em directo”, refere. O i contactou as direcções dos quatro canais de informação, mas apenas a CMTV respondeu às questões.

REPetição Não é apenas durante a noite e a madrugada que há alteração do tipo de conteúdos emitidos pelos canais noticiosos. De acordo com Felisbela Lopes, a actual crise e a falta de recursos humanos nas redacções influencia toda a programação noticiosa dos canais ao longo do dia, sobretudo a produção de peças jornalísticas. “Quando se vêem os noticiários de hora a hora, de manhã à noite, vêem-se poucas renovações. As peças vão-se reduzindo. Há programas-âncora nos canais, que são o noticiário das 13h e o das 20h. Ainda se fazem peças para esses noticiários e vão transitando para os canais de informação e para os outros horários e noticiários. Se tudo isto funcionasse da forma ideal, haveria também uma renovação das peças de hora a hora, mas isso pressupõe redacções mais bem apetrechadas.”

Sofia Branco alerta para a perda de visões diferenciadas dos acontecimentos, decorrente daquilo que diz ser outra tendência actual, que é o mesmo jornalista acumular tarefas anteriormente distribuídas a outros. “Por exemplo, na rádio e na televisão pública envia-se um jornalista para cobrir um conflito para a rádio e para a televisão. Por melhor que seja o jornalista, é um trabalho que antes era feito por duas pessoas, no mínimo. E na decisão do que se faz primeiro e para onde se faz primeiro há opções a fazer e alguma parte vai ficar prejudicada. Os timings e os horários não são os mesmos, estamos num tempo em que a informação é de 24 horas, e isso obriga a um tipo de trabalho que não existia antes. Feitas as contas há menos gente no terreno, e portanto menos olhares e menos pluralismo.”

A repetição também acontece de uns canais para os outros e a evolução dos formatos na informação é mais lenta que no entretenimento, segundo refere a investigadora da Universidade do Minho. Essa dificuldade da renovação deve-se a uma lógica de imitação. “Apesar de também existir lá fora, em Portugal é um factor que é muito exacerbado. Temos um sistema de clonagem fortíssimo. Os canais procedem por opções miméticas uns em relação aos outros e têm muita dificuldade em cortar com aquilo que se faz desde sempre.”

NOVIDADES No início de Junho a TVI24 apresentou a nova grelha de programação. Entre as novidades nos conteúdos de informação, está a “21.a Hora”, um formato de informação diário conduzido por Judite de Sousa e José Alberto Carvalho, que dará destaque aos temas mais relevantes da actualidade e espaços de entrevista, conforme noticiado no site do próprio canal. Além da informação, há ainda destaque para a estreia das conferências TVI24, centradas no debate dos grandes temas económicos e de outros conteúdos que trazem o regresso à antena de rostos conhecidos como José Eduardo Moniz.

A par de novos programas há uma nova postura da direcção de informação, liderada por Sérgio Figueiredo, que terá originado, de resto, a polémica com Augusto Santos Silva, antigo ministro do PS e comentador da TVI24. Num artigo de opinião publicado a 27 de Julho no “Diário de Notícias”, com o título “Para acabar de vez com um monólogo patético e deprimente”, Sérgio Figueiredo respondia ao político, que acusou o canal de censura por ter cancelado o seu programa de comentário político, “Porquês da Política”, publicando o conteúdo do email enviado a Santos Silva, a 18 de junho, respondendo às suas queixas.Nesse texto reconhece que “a gestão da grelha da TVI24 está diferente” e defende “que um canal de informação deve ser ágil e reagir a factos relevantes da actualidade”, e não ficar “a contemplar uma grelha de programação, seguramente interessante, mas estática e desajustada aos factos noticiosos que a maioria das pessoas nesse dia procura”, escreve Sérgio Figueiredo. 

Outra aposta da actual direcção de informação da TVI24 é a ligação com as plataformas digitais e o reforço da interactividade, que passará também por uma nova relação com o público. “Queremos que a TVI24 seja um canal em que os portugueses se revêem, mas que também comentem, que seja um canal falado”, disse em declarações ao site do canal. Os formatos mais abertos à audiência são positivos, considera Felisbela Lopes, desde que não sejam encarados como substituto do jornalista. “Se o público for um parceiro da integração da informação, acho isso deveras positivo. E é uma tendência global.”

Para a investigadora, mais que o número de noticiários, o problema dos canais de informação portugueses é a falta de diversidade, tanto entre si como no interior da própria gelha da programação, nas peças, nos interlocutores, na temática e na geografia. “As redacções deviam sair mais do que têm feito porque há uma repetição cansativa. Sobretudo a partir de Setembro, quem fosse mais audaz caminharia à frente.”