“O ano passado sobrevivi. Este ano venho viver.” O anúncio é feito por um rapaz da Ericeira que descarrega o carro no meio da nuvem de pó que se instalou no parque de estacionamento do Sudoeste. Os amigos vão ajudando com uma coordenação digna da empresa de mudanças Urbanos e a parafernália vai-se acumulando no chão de terra.
“O ano passado trouxe demasiada roupa e menos coisas para o conforto”, justifica o líder das mudanças, e no meio do aparato até vislumbramos panelas e um colchão de casal na bagageira do carro. “Custa um bocadinho a carregar mas depois proporciona mais conforto”, continua outra miúda, que “vem mais pelo espírito e pelo ambiente” que pelo cartaz.
Quem chega dois dias mais cedo ao festival na Zambujeira do Mar sabe o que é imprescindível para acampar: “Um toldo de jardim daqueles que a avozinha tem para o churrasco, cadeiras à bruta, mesas, ventoinhas daquelas do ebay, há lá muita coisa…”
Podíamos estar aqui o dia todo a ouvir conselhos de campistas de 20 e poucos anos mas não teríamos paciência nem costas para acartar tanta coisa. Somos daqueles que até das garrafas de água se esquecem de comprar no Intermarché do caminho. O que vale é que surge sempre um convite para jantar: “Hoje vamos fazer douradinhos com arroz de tomate. Sim, no camping gaz, aqui é tudo do Master Chef.”
Pelo barulho que ouvimos no parque de estacionamento, André, de Setúbal, trocou o camping gaz por um megafone e vai dando indicações aos amigos com o carro a quilómetros de distância. “Trouxemos o megafone com base na palhaçada e para nos metermos com o outro pessoal que está aí a acampar”, explica, caso tivéssemos dúvidas. Claro, até porque ninguém vem aqui para dormir. “Sim, ninguém vem aqui para dormir. Um rapaz ontem dizia que tem o melhor despertador de sempre, o sol na tenda às oito e meia da manhã.”
FUTURE HOUSE
André autoproclama-se DJ e, além do tal “espírito e ambiente” de que toda a gente fala, vem ao festival de propósito para ver o DJ holandês Oliver Heldens. “Aprecio muito este tipo de música, future house.” Future house? “É um estilo de música que apareceu recentemente e que engloba um pouco de electro house com um swing que vai dar mais ao deep house, mais dançável, não ao estilo rave como o Hardwell. É mais calmo”, resume.
Estamos um pouco confusos e começamos a sentir-nos velhos para este house do futuro. A última vez que pisámos a Herdade da Casa Branca ainda os Daft Punk eram cabeças-de-cartaz. Suspiro.
“O Sudoeste está a fazer bem em transformar este festival só numa coisa electrónica”, acorda-nos André de qualquer pensamento nostálgico que pudesse estar a avolumar-se. “É uma coisa que faz falta ao nosso país e vai de encontro ao público-alvo, dos 17 aos 25 anos.” O amigo diz que nem toda a gente concorda: “Há gente no nosso acampamento a dizer que faz falta o palco reggae.”
Mais velhos ainda nos sentimos quando percebemos que 17 anos não é a idade mínima. Exemplo disso é Inês, de 13 anos, a viver intensamente o seu primeiro festival. De tal forma que já está rouca antes mesmo de o primeiro concerto começar. “Dou high-fives a todos, já toda a gente aqui sabe quem é a Inês. Sou a nova Elsa daqui, se fizer mais entrevistas e perguntar pela Inês sabem quem sou.”
Por enquanto não há gritos “Ó Elsa”, até porque já não estamos nos anos zero. Ao longe alguém grita “Gooolo” e “Benfica” e vai obtendo resposta. Aqui e ali também se avista um cachecol do Sporting. “Ponha aí que o nosso grupo se chama 1904”, diz outro rapaz, com uma bola na mão. Além da música, e entre as actuações de Quentin Mosimann e Oliver Heldens, a organização vai ter a preocupação de transmitir a final da supertaça, no domingo, às 20h45.
PRAGA DE GAFANHOTOS
Até lá vive-se e sobrevive-se no campismo. “A gente veio para viver”, diz alguém de um grupo na casa dos 20 de Évora, a Maldita Tribo, baptizam-se, quando perguntamos o nome. “Isto é brutal. Já nos roubaram três cadeiras mas isso faz parte, acontece. Ao menos já não vamos carregadas para lá.”
Aconteceu também uma parecida a outro grupo de raparigas de Lagos, de 18 e 19 anos. “Tentaram roubar-nos a mesa mas ela foi atrás deles”, explica uma. “Eram para aí uns dez mas quando a viram largaram a mesa [estamos a falar de uma mesa onde se sentariam à vontade dez pessoas]. Agora guardamos tudo dentro das tendas.”
Se quer seguir o conselho deste grupo que está no Sudoeste por causa de “Calvin Harris e do ambiente”, para o festival deve levar “veneno para a praga de gafanhotos” no campismo e “tendas grandes para guardar as coisas e fechar tudo a cadeado”.
Há quem não tenha grandes preocupações a não ser a escolha do local para estacionar a mesa de póquer. É o caso de um grupo de espanhóis que veio de propósito de Badajoz e montou a mesa de jogo mesmo em frente da saída dos chuveiros. “Para ver as miúdas.”