Televisão. A disputa pela presença mediática é uma guerra política

Televisão. A disputa pela presença mediática é uma guerra política


A  polémica saída de Santos Silva da TVI24 leva politólogos a falar de “obsessão” e de disputa dos comentadores pelo espaço mediático, em período depré-campanha eleitoral.


A televisão é um palco mediático muito apetecido por qualquer político. É nesse espaço que a disputa política acontece: os políticos dão voz às convicções partidárias, constroem e fazem a gestão da sua notoriedade pública. E isso faz da caixinha mágica um terreno muito fértil para a disputa pelo espaço mediático, sobretudo numa fase em que se aproximam eleições. 

Ontem ficou fechada a polémica dos debates que antecedem as legislativas. Vai haver um no dia 9 de Setembro entre Passos e Costa e outro com os líderes dos partidos com assento parlamentar no dia 22 de Setembro (Passos, Costa, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa). Portas não está incluído, apesar da insistência do CDS em entrar nos debates. Os centristas reagiram à decisão e acusaram o PS de querer interferir na decisão editorial das televisões e de “fugir dos debates” com Paulo Portas, que as televisões pretendiam organizar a propósito das eleições legislativas. “O respeito do PS pela liberdade editorial não passou a prova dos factos: acham-se donos das televisões e dos debates”, critica o CDS em comunicado.

A luta política mediática culmina nos debates eleitorais e traduz-se em votos. Não sendo decisivos, os debates são importantes porque a televisão é o meio que chega a mais pessoas. Quem o diz é o politólogo António Costa Pinto, explicando que a ideia de um “perdedor” e de um “vencedor” estrutura e mobiliza votos. Até porque estes momentos são de grande audiência televisiva: nas últimas legislativas, cerca de um milhão e meio de portugueses assistiram aos debates entre os candidatos.

Esta disputa pela antena espelha a importância que a televisão tem para a política. E não são só os candidatos que desejam ter uma cadeira neste meio. Os comentadores que são simultaneamente políticos protagonizam essa luta permanentemente.

A saída de santos silva O último caso, entre Augusto Santos Silva e o director de informação da TVI, Sérgio Figueiredo, é mais um capítulo desta novela, que envolveu trocas de acusações públicas.

Politólogos como António Costa Pinto e Carlos Jalali estão convencidos de que em regra estas tensões não são mais que o resultado de uma disputa por um lugar no plateau. O antigo ministro do governo de Sócrates viu o seu contrato chegar ao fim o mês passado, por decisão unilateral da direcção da estação de Queluz.

Até lá faltavam cumprir mais quatro programas. A rubrica semanal iria decorrer até ao passado dia 28 de Julho, mas isso não chegou a acontecer, tendo sido no dia 7 de Julho a última presença do professor de Economia nos “Porquês da política”. Momento que o comentador aproveitou para acusar a estação de “falta de coragem” por não apresentar uma explicação para a rescisão, tendo mais tarde acusado a estação de censura política.

Sobrevivência política O caso de Augusto Santos Silva não é único no panorama nacional. Nos últimos anos, vários políticos comentadores protagonizaram momentos de tensão com os órgãos de comunicação onde tinham espaço de intervenção. 

Foi o caso de José Sócrates na RTP1, quando o jornalista José Rodrigues dos Santos optou por ter um papel mais interventivo na rubrica semanal do ex-primeiro ministro. Foi também o caso de Alfredo Barroso, que depois de oito anos no programa “Frente a Frente”, na SIC Notícias, foi corrido do canal e informado dessa decisão através de um telefonema, como o próprio disse na altura. E ainda de Pedro Santana Lopes, em 2007, que abandonou o estúdio em directo quando a sua intervenção foi interrompida devido à chegada de José Mourinho ao aeroporto.

Embora se trate de casos distintos e com as suas particularidades, o politólogo António Costa Pinto realça um ponto comum a estes actores políticos mediáticos: “A elite política que preenche os espaços de comentário e debate na televisão tem um estatuto simbólico que não gosta de perder por qualquer outro tipo de interrupção na grelha de programação.”

Na sua óptica, esta elite encara a presença na televisão como um “instrumento de sobrevivência política” que mantém viva a hipótese de um dia voltarem a ocupar um cargo na política. “Portugal destaca-se por ter muitos políticos que são simultaneamente comentadores. É uma forma de manter o destaque mediático”, opina o politólogo, considerando que manter esse estatuto acaba por se tornar uma “obsessão” e alguns político-comentadores não lidam bem com as decisões editoriais e/ou comercias que as direcções tomam.

O politólogo Carlos Jalali também não tem dúvidas: este tipo de polémica é revelador do peso dos media e da sua importância para a vida dos partidos, principalmente no período de pré-campanha eleitoral que se avizinha. Nestes momentos, os espaços televisivos são “intensamente disputados” e todos querem ser porta-vozes dos seus partidos.
“Estas tensões reflectem uma realidade exclusiva de Portugal, onde o peso do espaço mediático na construção da mensagem política é maior do que noutros países”, refere o especialista, lembrando que a capacidade de os políticos chegarem às pessoas depende do acesso destes aos media. Mas não são só os políticos os intervenientes. Jalali sublinha que os jornalistas com opiniões políticas, como era o caso de Mário Crespo também participam nesta luta. 

A novela O azedume do antigo ministro do governo de Sócrates já vinha de trás. Santos Silva tinha vindo a demonstrar desagrado na sua página do Facebook em relação às constantes alterações do horário motivadas por alterações editoriais na grelha de programação. 

A polémica ganhou outra dimensão quando Santos Silva sugeria que a sua saída escondia motivos políticos. Entre outros pontos, o socialista escreveu: “Porque a TVI estará farta de comentadores inscritos em partidos políticos e, como já lá tem fartura que chegue de inscritos no PSD, não precisa de um inscrito no PS.” Algo que o director de informação se viu obrigado a negar publicamente, apresentando como argumento a contratação do socialista Fernando Medina como comentador da estação.