Banguecoque. Popularmente conhecida como a cidade dos anjos, a capital tailandesa reparte-se entre a parafernália do trânsito e dos tuk-tuks e a agitada vida nocturna, em que coabitam bares, cabarés e outros tantos palcos recheados de erotismo. Foi nesta cidade que nasceu, no início deste novo milénio, a Apple Models Management, uma agência de modelos que rapidamente dominou o cenário da moda no Sudeste asiático. Apesar do nome, esta maçã nada tem a ver com a Apple de Steve Jobs.
O seu logótipo espelha o fruto proibido pintado com as cores do arco-íris: um símbolo da tolerância e igualdade que a Apple Models se esforça para promover. A Tailândia é conhecida por ser um dos países com maior abertura para com a comunidade LGBT, apesar de o casamento entre pessoas do mesmo sexo ainda não ter sido legalizado. Por exemplo, desde 2004 é anualmente realizado, na cidade de Pattaya, o Miss International Queen, um concurso de beleza para mulheres transexuais, com concorrentes de todos os cantos do globo.
Seguindo esta tendência, em Novembro de 2014 a Apple subdividiu-se em modelos femininos, masculinos e transexuais. Agora volta a fazer história ao abrir um escritório em Los Angeles totalmente dedicado a manequins trans.
O salto para o sonho americano estará sob a custódia de Cecilio Asunción. O filipino foi o realizador do documentário “What’s the T?”, alvo de diversos prémios, que se debruçou sobre os desafios encarados por cinco mulheres transexuais. Cecilio acredita que a Apple terá um forte compromisso de desenvolver modelos e torná-los bem-sucedidos, sem nunca os quantificar ou qualificar por género. “Acreditamos que todos os indivíduos transexuais são bonitos”, afirmou, acrescentando que tudo o que é necessário é “paixão e empenho”, até porque na Apple “és um modelo primeiro e só depois um transexual”.
De resto, o mundo do showbiz parece estar definitivamente a quebrar o tabu a que os transexuais se viram sujeitos no passado. Além da mediática Caitlyn Jenner, que se tornou capa da “Vanity Fair” de Julho, também Laverne Cox se tornou a primeira actriz transexual a ser nomeada para os Emmys pelo seu papel na série “Orange is the New Black” e contribuiu para lançar a discussão acerca da igualdade de oportunidades no mundo do espectáculo.
A moda atravessa um caminho análogo. Embora um crescente número de modelos transexuais tenha brilhado nas passerelles nos últimos anos, Cecilio, o director da Apple Models Los Angeles, ainda teme que o estigma que a comunidade tem para com estas pessoas não lhes permita “atingir o seu máximo potencial”.
Um mundo novo para a moda
Octavia Saint Laurent, a rainha do underground, Candy Darling, musa de Andy Warhol, e Caroline Cossey, a primeira transexual a posar para a “Playboy”, em 1981, foram as mais proeminentes estrelas transgénero a alcançar a fama e a lutar contra o preconceito, ainda no século anterior.
No mundo da moda, a mudança chegou com algum delay, mas as grandes revistas e marcas têm dado, finalmente, os primeiros passos na inclusão de modelos transexuais. Andreja Pejic, a manequim nascida na Bósnia que se define como “vivendo entre os géneros”, fez história na edição americana de Maio da “Vogue” ao ser a primeira transexual a ser perfilada na mais influente publicação de moda do mundo.Ainda assim, perdeu a capa para a actriz britânica Carey Muligan.
Antes, em 2010, a mesma revista mas na sua versão de Paris dedicou uma página ao nu total da modelo transexual brasileira Lea T. Filha de um antigo futebolista canarinho que actuou na Roma e na Sampdoria, no mesmo ano Lea foi a protagonista da campanha publicitária da marca francesa Givenchy, através da qual angariou o dinheiro suficiente para conseguir obter a cirurgia final de mudança de sexo.
O último grande passo foi dado pela Barney’s New York. A loja de luxo apostou, no ano passado, numa campanha publicitária que incluiu 20 indivíduos transexuais. Conduzidos pela objectiva do fotógrafo veterano Bruce Weber, os manequins fizeram parte do catálogo da marca, vestindo roupas e acessórios de estilistas como Manolo Blahnik ou Balenciaga.
Em Portugal existe apenas um caso conhecido de modelo transexual: Filipa Gonçalves. A filha mais nova do ex-jogador do Benfica Nené tornou-se a primeira modelo transexual no país a ter contrato com uma agência, a DXL Models, e foi galardoada em 2010 com o Prémio Arco-Íris da Associação ILGA (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero) pela sua luta contra a discriminação. Mas a verdade é que nunca conseguiu grandes contratos.
Entretanto, voltando a Los Angeles, a cidade americana com vista panorâmica para Hollywood, a nova agência da Apple Models já conta com seis mulheres transexuais em cartaz e anda à procura de mais. Falta apenas saber: por onde andam os modelos transexuais masculinos?