A partir do momento em que a morte do leão Cecil se tornou notícia, não tardou a que se ficasse a conhecer a identidade do caçador. Desde então, Walter Palmer, dentista que pagou 50 mil euros para disparar sobre o animal, tem-se visto em maus lençóis e recebido ameaças de morte. Por isso ninguém sabe do seu paradeiro. O norte-americano, que no dia seguinte às primeiras notícias do caso veio lamentar ter morto Cecil, alegou que possuía uma autorização que lhe permitia caçar naquele terreno e que julgava que tudo estaria dentro da legalidade, mas as autoridades negaram ter autorizado qualquer caçada.
A morte do leão mais querido do Zimbaué invadiu a internet e as redes sociais e as manifestações de repúdio e de choque tornaram-se virais, numa altura em que a enorme tragédia humanitária vivida pelos migrantes ilegais que tentam chegar à Europa não tem tido uma repercussão mediática sequer comparável.
Questões como a morte de Cecil suscitam sempre um intenso debate em torno do valor da vida humana versus vida animal. E aí as opiniões dividem-se. Para alguns a vida animal vale tanto quanto a humana; para outros, a vida humana prevalece acima de quaisquer demais valores. Mas afinal, porque razão damos tanto destaque à morte de um animal?
Para o PAN (Partido Pessoas Animais e Natureza), a mediatização de casos como o do leão Cecil explicam-se maioritariamente devido a dois factores: por um lado, “a invisibilidade da causa animal não humana perante todos os restantes temas da sociedade, o que eleva qualquer caso que seja mediatizado; por outro lado, “a crescente frustração cívica da ineficiência dos sistemas sociais humanos em gerir temas relacionados com o bem-estar animal”. Para este partido, a vida – seja ela humana ou não – tem toda o mesmo valor. “Quando estamos a falar de vida, não discriminamos ninguém”.
Banalização da morte Carlos Brito, especialista em marketing, explica que estes casos tornam-se virais porque contemplam uma carga emocional muito forte. No caso do leão Cecil, tratava-se de um símbolo do Zimbaué e de um animal que está no nosso imaginário como o rei da selva. “É uma ofensa, quase como pisar a bandeira de um país”. Para o especialista, os ingredientes para que um acontecimento se torne viral na internet são quatro: ser invulgar, chocante, divertido e secreto.
A morte de Cecil junta todos estes ingredientes – e ainda mais um, que é a caça grossa ser vista como uma actividade elitista. Houve, além disso, um “rastilho inicial”: a reacção da população do Zimbaué. Em contraponto, a tragédia dos refugiados no Mar Mediterrâneo, “infelizmente não é assim tão invulgar”, considera Carlos Brito. Para o especialista em marketing, isso explica o motivo por que a morte do leão está a suscitar tantas reacções, ao contrário de outras tragédias humanas. “Estamos mais habituados a ver e a lidar com o sofrimento humano do que com o dos animais”, nota ainda, acrescentando que seria normal que lamentássemos mais a morte humana.
Carlos Coelho, também especialista em marketing, está convencido que histórias como a do leão Cecil geram mais atenção e têm maior potencialidade para se tornarem virais do que as tragédias humanas por uma questão de iconização – e não por se dar mais valor a uma vida do que a outra.
Ou seja, “o leão está a ser encarado como um símbolo concreto de uma causa facilmente identificável”, explica. O mesmo não se passa com a tragédia dos milhares de refugiados que morrem, onde não há uma cara ou símbolo que identifique o problema, o que o torna mais abstracto, sublinha Carlos Coelho.
O especialista refere ainda que há uma questão de imagem associada: o leão, símbolo de um país, remete para o fascínio de África e para o imaginário do rei da selva. Apesar de ter sido assassinado, as imagens mais partilhadas não são do leão abatido. Enquanto as imagens dos migrantes não são algo “propriamente bonito”. “Por muito que nos custe, é mais fácil tornar um animal num mártir do que uma pessoa”, conclui.