Guia para aguentar as férias


Escrevo este texto sentada no sofá, numa casa em divinal silêncio. Gozo as férias antes das “férias”. A vida ensina-nos muito!


© Antonio Pedro Santos

Adoramos enganar-nos a nós mesmos, ano após ano, sem aprender a lição. E quanto mais glamorosas são as férias nas páginas dos catálogos e das revistas, mais altas as expectativas. Mas nestas coisas nem é preciso esperar pelo fim do mês pela factura, porque os pagamentos por conta começam logo no primeiro dia. Felizmente há pessoas bondosas como eu, prontas a partilhar o que foram vendo e ouvindo com outras mulheres. Desculpem, hoje esta crónica é só para elas.

Descanse antes de partir – Se o seu marido lhe perguntar porque é que tirou dois dias, antes da data de partirem para férias e enquanto as crianças ainda estão com os avós, minta! Fale na necessidade de deixar a casa arrumada, invoque a lista de espera no cabeleireiro, qualquer coisa, mas não lhe confesse que o que está a fazer é a gozar férias. As únicas que provavelmente vai ter. 

Os maridos das outras são… – Ponha a tocar a canção do Miguel Araújo e modele as expectativas ao seu marido de carne e osso. Durante o ano lectivo, o tempo de convivência familiar é limitado. Coisa diferente é a versão de 24 horas sobre 24 horas, em que a mania que no dia-a-dia já irrita um bocadinho se pode transformar rapidamente num Adamastor. Some a isto sonhos irrealistas, como que ele vai trocar a corrida, o telemóvel, a conversa com os amigos por si, ou espere que seja você a fazer a troca, e é fácil antever desilusão e lágrimas. Por isso, o melhor é conferirem objectivos antes de partirem, porque se fica à espera que tudo se concilie por obra e graça do Espírito Santo, a coisa acaba mal. A irritabilidade, ainda por cima, é potenciada pelo calor, e quando der por isso está a dizer verdades irremediáveis. Ou, pior, a guardá-las para si, o que promete no mínimo um ataque de pânico e ansiedade, no máximo um enfarte, e pelo meio um divórcio litigioso. 

Os filhos das outras são… – Idealizar as férias com os nossos filhos é um erro grave. Imaginamos que vamos finalmente gozá-los, compensá-los pelo tempo que não estivemos com eles. Juramos a nós mesmas que não nos faltará nem paciência nem engenho para dar a volta às birras ou inventar programas arrebatadores. E depois, bang, logo no primeiro dia, ela faz uma gritaria que se ouve na rua porque odeia o fato-de–banho, e ele vira o prato dos cereais pelo chão da cozinha (onde raio está a esfregona nesta casa?), não param quietos à mesa da esplanada e respondem torto por dá cá aquela palha. “É do sono!”, justifica-se, com um sorriso amarelo, e depois é do sol, e da sombra, inventam–se desesperadamente desculpas para não desatarmos à lambada, de raiva e desilusão. Console-se, em Setembro vai pagar a conta da escola com outra alegria. Isto para nem começar a falar em filhos adolescentes, que se levantam quando você se deita, mas esse é todo um outro capítulo.

Os amigos das outras são… – Não sei se vai a tempo, mas se marcou férias com amigos, e filhos de amigos, debaixo do mesmo tecto, desmarque. Já! Invente qualquer desculpa, varicela, raiva, qualquer coisa serve. Assistir à forma como os outros educam os seus filhos é doloroso. Seja por inveja ou por genuína convicção de que as coisas não se fazem assim, é um suplício ver obrigar a comer/ deixar que não comam; obrigar a dormir/deixar que não durmam; obrigar a que cumprimentem toda a gente de beijinho/deixar que não cumprimentem, e por aí adiante. Ui, para não falar da reacção visceral à “boca” sobre o facto de o seu ainda usar chucha, ou da irritação que vai causar quando não resistir a mandar calar a picareta falante do filho deles. Desmarca ou quer que seja eu a desmarcar?!?

As sogras das outras são… – Ciúme e rivalidade em tempo de férias, não obrigada. Por isso, próximas, sim, mas nunca na mesma casa. Se não seguir o conselho, em menos de nada está a massacrar o seu marido com os comentários que a sua sogra fez a isto e àquilo, e a exigir que o pobre tome partido. E quando ele se esquiva a fazê-lo, insulta-o: o que podia esperar de… um filho da mãe. Para dizer a verdade, nada varia muito quando se acolhe em casa da sua mãe! 

Tinha mais umas ideias, mas decididamente não quero estragar-lhe as férias. Por isso, até para a semana! 
Jornalista e escritora
Escreve ao sábado 

Guia para aguentar as férias


Escrevo este texto sentada no sofá, numa casa em divinal silêncio. Gozo as férias antes das “férias”. A vida ensina-nos muito!


© Antonio Pedro Santos

Adoramos enganar-nos a nós mesmos, ano após ano, sem aprender a lição. E quanto mais glamorosas são as férias nas páginas dos catálogos e das revistas, mais altas as expectativas. Mas nestas coisas nem é preciso esperar pelo fim do mês pela factura, porque os pagamentos por conta começam logo no primeiro dia. Felizmente há pessoas bondosas como eu, prontas a partilhar o que foram vendo e ouvindo com outras mulheres. Desculpem, hoje esta crónica é só para elas.

Descanse antes de partir – Se o seu marido lhe perguntar porque é que tirou dois dias, antes da data de partirem para férias e enquanto as crianças ainda estão com os avós, minta! Fale na necessidade de deixar a casa arrumada, invoque a lista de espera no cabeleireiro, qualquer coisa, mas não lhe confesse que o que está a fazer é a gozar férias. As únicas que provavelmente vai ter. 

Os maridos das outras são… – Ponha a tocar a canção do Miguel Araújo e modele as expectativas ao seu marido de carne e osso. Durante o ano lectivo, o tempo de convivência familiar é limitado. Coisa diferente é a versão de 24 horas sobre 24 horas, em que a mania que no dia-a-dia já irrita um bocadinho se pode transformar rapidamente num Adamastor. Some a isto sonhos irrealistas, como que ele vai trocar a corrida, o telemóvel, a conversa com os amigos por si, ou espere que seja você a fazer a troca, e é fácil antever desilusão e lágrimas. Por isso, o melhor é conferirem objectivos antes de partirem, porque se fica à espera que tudo se concilie por obra e graça do Espírito Santo, a coisa acaba mal. A irritabilidade, ainda por cima, é potenciada pelo calor, e quando der por isso está a dizer verdades irremediáveis. Ou, pior, a guardá-las para si, o que promete no mínimo um ataque de pânico e ansiedade, no máximo um enfarte, e pelo meio um divórcio litigioso. 

Os filhos das outras são… – Idealizar as férias com os nossos filhos é um erro grave. Imaginamos que vamos finalmente gozá-los, compensá-los pelo tempo que não estivemos com eles. Juramos a nós mesmas que não nos faltará nem paciência nem engenho para dar a volta às birras ou inventar programas arrebatadores. E depois, bang, logo no primeiro dia, ela faz uma gritaria que se ouve na rua porque odeia o fato-de–banho, e ele vira o prato dos cereais pelo chão da cozinha (onde raio está a esfregona nesta casa?), não param quietos à mesa da esplanada e respondem torto por dá cá aquela palha. “É do sono!”, justifica-se, com um sorriso amarelo, e depois é do sol, e da sombra, inventam–se desesperadamente desculpas para não desatarmos à lambada, de raiva e desilusão. Console-se, em Setembro vai pagar a conta da escola com outra alegria. Isto para nem começar a falar em filhos adolescentes, que se levantam quando você se deita, mas esse é todo um outro capítulo.

Os amigos das outras são… – Não sei se vai a tempo, mas se marcou férias com amigos, e filhos de amigos, debaixo do mesmo tecto, desmarque. Já! Invente qualquer desculpa, varicela, raiva, qualquer coisa serve. Assistir à forma como os outros educam os seus filhos é doloroso. Seja por inveja ou por genuína convicção de que as coisas não se fazem assim, é um suplício ver obrigar a comer/ deixar que não comam; obrigar a dormir/deixar que não durmam; obrigar a que cumprimentem toda a gente de beijinho/deixar que não cumprimentem, e por aí adiante. Ui, para não falar da reacção visceral à “boca” sobre o facto de o seu ainda usar chucha, ou da irritação que vai causar quando não resistir a mandar calar a picareta falante do filho deles. Desmarca ou quer que seja eu a desmarcar?!?

As sogras das outras são… – Ciúme e rivalidade em tempo de férias, não obrigada. Por isso, próximas, sim, mas nunca na mesma casa. Se não seguir o conselho, em menos de nada está a massacrar o seu marido com os comentários que a sua sogra fez a isto e àquilo, e a exigir que o pobre tome partido. E quando ele se esquiva a fazê-lo, insulta-o: o que podia esperar de… um filho da mãe. Para dizer a verdade, nada varia muito quando se acolhe em casa da sua mãe! 

Tinha mais umas ideias, mas decididamente não quero estragar-lhe as férias. Por isso, até para a semana! 
Jornalista e escritora
Escreve ao sábado