O lugar dos filhos no puzzle do dia-a-dia


Gerir carreira e família é um quebra-cabeças, mas quem corre por gosto inventará sempre tempo de qualidade para os filhos.


À noitinha há um momento que corta a correria e a azáfama de todos os dias. É perto da hora de as filhas irem dormir que a mãe ou o pai abrandam o ritmo, aproveitando com elas uma das poucas pausas diárias que a família tem: a leitura.
“Adoro ler”, confidencia Carolina, de 12 anos, que já consegue fazer isso sem ajuda de ninguém. A mais nova, Joana, tem sete, e por isso ainda precisa da companhia dos pais. “Mas sou eu que leio para eles”, diz orgulhosa.

 

Maria Vasconcelos tem, além da educação das filhas, a responsabilidade de gerir uma equipa nos Recursos Humanos da
Santa Casa da Misericórdia. Já o marido criou a própria empresa e, se por um lado dispõe de maior flexibilidade de horário, tem, por outro lado, jornadas diárias exigentes.

Conciliar o tempo para as filhas com o emprego e a realização profissional é um quebra-cabeças. Os dias estão contados ao minuto e a vida anda a toque de caixa, com uma grande organização e divisão de tarefas entre o casal. Mal acorda, Maria prepara o almoço e o lanche que as filhas levam para a escola.

O transporte é tarefa do pai, que, quando consegue, também vai buscá-las, o que nem sempre é possível: “Se não tivéssemos empregada não sei como faríamos, elas não têm avós que possam dar apoio nestas questões”, conta Paulo Ávila.

O final do dia é preenchido com actividades mais lúdicas: a viola, no caso da Joana, e a ginástica, que ambas frequentam. 

Depois é chegar a casa, tomar banho e estudar. “Ao fim de um dia de escola elas estão cansadíssimas” e é por isso que a hora de fazer os trabalhos de casa “é sempre uma fonte de conflito”, conta esta mãe de 44 anos. Também os pais chegam estourados ao fim do dia e gostavam de ter maior disponibilidade mental para as filhas – com a correria do quotidiano, “às vezes parecemos robôs”.

CASA VS. EMPREGO

Os pais têm horários muito exigentes e pouca flexibilidade para faltar ao emprego. “Não cumprir essas regras pode muitas vezes significar o desemprego, e por isso ficam mais limitados no apoio que podem dar aos filhos”, explica Maria Manuel Vieira, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Especialmente
tendo em conta que muitas actividades que as escolas destinam às famílias acontecem durante as horas em que estão a trabalhar. 

E há ainda a questão legal. A legislação prevê “excesso de permanência nos locais de trabalho”, explica. Os pais apenas têm o “direito a faltar, até quatro horas, uma vez por trimestre” para se deslocarem à escola e “se inteirarem da situação educativa” dos filhos menores de idade (como pode ler-se na página oficial da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego). A licença é curta, o que muitas vezes limita o cumprimento dos deveres como pais ou encarregados de educação, previstos no Estatuto do Aluno: acompanhar a vida escolar, promover a relação escola-
família, integrar a comunidade educativa, entre outros.

Assumir estas responsabilidades não depende por isso apenas dos pais. E resulta mais das chefias que da política da empresa, diz Maria Vasconcelos: “Há os que compreendem, mas há também outros que não são tão flexíveis.” Mãe e directora de uma equipa, Maria entende os dois lados desta moeda: por um lado é importante estar presente na rotina escolar dos filhos, por outro o volume de trabalho não permite que todos os funcionários se ausentem ao mesmo tempo.

GESTÃO DO TEMPO

Mais que a legislação, o problema está na organização do trabalho, avisa Maria Manuel Vieira. Flexibilidade de horário é o que tem faltado. Maria Vasconcelos concorda com o diagnósticom da investigadora: “Em Portugal as pessoas entram mais tarde que noutros países, são menos produtivas, têm almoços mais longos, fazem mais pausas… Se fôssemos eficientes talvez tivéssemos mais tempo para a família.” 

A pressão da carreira, enquadrada por uma questão cultural de produtividade, colide assim com a necessidade de dar
uma educação completa aos filhos, acompanhando as suas rotinas escolares. No entanto, quando o tempo escasseia, resta apenas aproveitá-lo da melhor forma possível – e isso nem sempre significa estudar com os filhos. “O apoio e interesse dos pais pela sua vida escolar é também fundamental”, adianta a investigadora. 

Quando o tempo é precioso, os pais podem ainda servir-se da rede de irmãos, vizinhos, avós ou outros familiares (de
preferência) para ajudar a promover a aprendizagem dos filhos. Maria já o faz.

Quando este ano surgiu a possibilidade de ser diagnosticado um défice de atenção à filha mais nova, Joana começou a receber apoio no estudo – e é a tia, não um explicador qualquer, que assume essa função.