O desafio de acompanhar os filhos na escola

O desafio de acompanhar os filhos na escola


A entrada de um filho na escola não vem com manual de instruções. E acompanhá-lo nessa descoberta é uma tarefa que exige tempo e persistência. Entre abrir a asa e deixá-lo à solta ou mantê-lo numa redoma, nem sempre é fácil encontrar o equilíbrio.


Quando em 1999 Ana Duarte regressou a Portugal, depois de 13 anos a viver em Macau, Cabo Verde e Moçambique, os filhos já andavam na escola. A mais velha ia entrar para o 7.o ano, a do meio e o mais novo para o 5.o e o 2.o Licenciada em História, esta mãe trocaria a carreira que poderia ter à frente do departamento editorial de um instituto de investigação por um outro trabalho a tempo inteiro: educar os filhos.

Se estivesse empregada, não teria tempo – nem disponibilidade mental – para acompanhar o seu crescimento e aprendizagem. Quando se embarca na aventura da maternidade surgem no dia-a-dia detalhes para os quais é preciso ter o radar a funcionar: “O meu filho hoje está triste, porquê? Está preocupado com o teste que vai ter amanhã, como posso ajudá-lo? São coisas minúsculas, mas constantes. Ao fim de um dia de trabalho não tinha cabeça para isso.”

A decisão foi ditada pela sua consciência. E a partir daí assumiu a missão de acompanhar os filhos com toda a disponibilidade no crescimento e nos estudos, sem nunca lhes tirar a autonomia. Hoje diz que está a sofrer as consequências da decisão que tomou: “Não tenho carreira, nem subsídios de férias… Estou com sérios problemas financeiros.” Apesar das adversidades, não desiste. Começou a dar explicações (“que estão a correr muito bem”) e não se arrepende da decisão que tomou: “Voltaria a fazer exactamente o mesmo”, assegura, ao ver aquilo em que os filhos se tornaram.

© Helena Poncini

Ao abdicar da carreira, Ana conseguiu recuperar aquilo que boa parte da população portuguesa até pagava para ter: “Actualmente, a falta de tempo que os pais têm para os filhos é claramente uma desvantagem”, diz a psicóloga Maria de Jesus Candeias. “Os pais são essenciais em todos os momentos da vida das crianças e a escola é, naturalmente, uma fase importante.”

 

MAIS É MELHOR?

Acompanhar a rotina escolar e o crescimento dos filhos não é fácil. Mas é essencial para educar crianças mais seguras e tranquilas, evidencia a psicoterapeuta. Não é o controlo (ou falta dele) que leva os filhos a aprenderem melhor e terem êxito, é sentirem-se bem e crescerem de forma saudável. E se isso acontecer “vão querer agradar aos pais e empenhar-se naquilo que estes valorizam”. O rendimento escolar será apenas um resultado deste processo de bem-estar familiar.

Filhos saudáveis e com gosto em aprender não caem aos trambolhões do céu – é preciso tempo, vontade e persistência. “Acho que os pais não têm a perfeita consciência da importância da família no crescimento da criança”, adverte a especialista, defendendo que os casais estão muito centrados no trabalho e nos resultados e por isso alimentam pouco o espaço da família e da brincadeira.

 

FICAR EM CASA

Sim, isso é verdade, mas também é preciso reconhecer que hoje os pais estão mais perto da escola que há algumas décadas, avisa Maria Manuel Vieira: “A ideia romântica da família tradicional dos anos 50 e 60, em que a mãe ficava em casa a cuidar dos filhos, dizia apenas respeito a uma minoria”, explica a investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. E a maioria era analfabeta, a trabalhar no campo com jornadas de trabalho intensas, além de cuidar dos filhos.

Mas depois veio a democratização do ensino, as famílias foram-se envolvendo cada vez mais com a escola, que ganhou uma nova dimensão no espaço entre pais e filhos. Recordando que esta geração de pais é aquela que mais habilitações tem, a especialista conclui que, apesar dos constrangimentos da sociedade actual, “os pais nunca estiveram tão bem preparados como hoje para educar os filhos.” Resta saber como o fazem.

 

APOIO E AUTONOMIA

A paternidade não vem com um manual de instruções e nem sempre a vida do quotidiano facilita as condições para se educar um filho.

Mas saberão os pais aproveitar o pouco tempo que têm? A maioria não, diz Maria de Jesus Candeias. “Pôr os filhos no ATL, em actividades desportivas ou explicações não é estar com eles.”

É preciso tempo e rotinas de qualidade, em família, sem exagerar nas actividades extracurriculares centradas no desenvolvimento intelectual. Muitos pensam que é isso que vai contribuir para a aprendizagem, o que não é verdade.

”Brincar é igualmente importante na educação, ou mais: estimula a capacidade cognitiva, a criatividade, o desembaraço na resolução de problemas…”

O pediatra Mário Cordeiro não gosta da palavra “educação”: “Pressupõe uma transmissão unilateral por parte de alguém que sabe tudo a alguém que não sabe nada.” É por isso que prefere usar os termos “ensino ou aprendizagem”, bidireccionais. Tal como os filhos, os pais vão descobrindo a melhor forma de os ajudar a crescer, dando-lhes ferramentas para o fazer em articulação com a escola. Mas não podem substituir-se a eles. Os filhos têm de aprender com os erros e fazer essa análise: “Caso contrário nunca entenderão um aspecto essencial do processo de aprendizagem que é o caminho do aperfeiçoamento.”

Em casa, a família deve ser um complemento à escola, conhecendo o que vai aprendendo e ajudando a colmatar hiatos. “Mas mesmo perante os trabalhos de casa não pode substituir-se à criança”, avisa.

Deve deixá-la estudar sozinha, podendo depois fazer perguntas sobre a matéria ou explicar alguma coisa que não tenha ficado bem entendida. Ensinar formas de organização, método, divisão do trabalho e do tempo são também tarefas essenciais. Resumindo e concluindo: “Estar presente e mostrar à criança que se é uma âncora, sim. Ser obsessivo e claustrofóbico, pensando narcisicamente em ver um filho no malfadado quadro de honra, não!”

 

AGARRAR O TEMPO

Para os pais que não têm tempo, que andam sempre a correr e gostavam que o dia tivesse mais de 24 horas, aqui ficam algumas sugestões criativas para encontrar tempo para os filhos.

 

ANTES DE DORMIR

Na hora de dormir, porque não ler uma história juntamente com o seu filho? É uma forma eficaz e divertida de incentivar o hábito de ler e de o ajudar a melhorar.

 

A CONDUZIR

Pode ser uma boa altura para saber novidades da escola, fazer algum jogo que incentive a memória, perguntas sobre uma disciplina que o seu filho esteve a estudar, conversar ou mesmo ouvi-lo a treinar para uma apresentação oral.

 

AO JANTAR

O jantar é um momento privilegiado para estar em família. E pode ser uma boa oportunidade para saber mais a fundo o que o seu filho tem feito na escola, como está a correr, onde tem mais dificuldades e do que gosta mais.

 

NO SUPERMERCADO

Leve o seu filho consigo e peça-lhe ajuda para comparar preços e quantidades, assim como para procurar aquilo de que precisa. Pode ser uma forma de estimular o seu raciocínio e desenvoltura.

 

FIM-DE-SEMANA

Aproveite esse tempo para estar realmente com eles, jogar algum jogo ou desenhar, ir passear, conversar ou até perceber onde tem mais dúvidas naquilo que estudou durante a semana.