Nariz na porta. Quem chega a Sines no último dia de festa, perto da hora dos concertos, já não consegue encontrar bilhete. À entrada, a organização do Festival de Músicas do Mundo (FMM) deixa apenas uma mensagem: esgotado. E agora? Como se invade um castelo? Encostado à muralha, um ecrã com os concertos serve de consolo para quem ficou de fora. Embora no FMM seja difícil ficar fora da festa.
Numa esquina com vista para o porto de Sines, uma banda de hardcore veio de propósito de Setúbal. Podiam estar desenquadrados num festival de world music, mas aqui toda a gente se encaixa em qualquer lado, até uma banda de garagem que vai recolhendo trocos num capacete. Há banquinhas que vendem pedras com um significado que se descodifica numa “Bíblia dos Cristais”, roupas étnicas, cães, cerveja preta artesanal servida na praia directamente de uma geleira e gente, muita gente.
Ao todo, a organização estima que este ano tenham passado 100 mil pessoas pelo festival, que dura uma semana e se prolonga de Porto Covo até Sines, onde a festa costuma ser sempre maior. Números melhores que os do ano passado e uma subida também na venda de passes de quatro dias – até o número de pessoas no palco da praia, onde os concertos não se pagam, aumentou.
No sábado, dia lotado, Toumani Diabaté, do Mali, subiu ao palco com o seu filho mais velho, Sidiki, num dueto de koras naquele que talvez tenha sido o concerto mais interessante do festival. É a tal conversa: se uma kora hipnotiza muita gente, duas koras hipnotizam muito mais, e não é à toa que foram considerados Melhor Grupo do ano nos Songlines Music Awards, uma espécie de Grammys da world music. No dia anterior já tínhamos levado uma boa dose de hipnose com a cítara do indiano Niladri Kumar, discípulo de Ravi Shankar, que depois de dar um ar da sua graça e do que sabia fazer com o instrumento, avisou que “só” estava no soundcheck.
Viagens Do Mali já tinham chegado também, noutro dia, os Songhoy Blues, a nova banda-revelação do deserto, que lançou este ano o primeiro álbum, “Music in Exile”, e que costuma vir associada ao nome de Damon Albarn por fazer parte do projecto Africa Express (o tal que o levou a um concerto de cinco horas de onde não queria sair). A festa esteve no auge com o afrobeat de Orlando Julius & The Heliocentrics, uma alegria sincronizada com o fogo–de-artifício, e com o mestre Salif Keita, o concerto mais aguardado do festival, num registo propositadamente mais acústico.
Na plateia, alguém ainda recordava letras com sotaque do Norte do concerto de Capicua do dia anterior: “Quando for grande vou ser prof de windsurf”, “A gente diverte-se imenso”, e outras que tais que ainda hoje custam a sair do ouvido. A rapper do Porto trouxe canções de “Sereia Louca” e fez-se acompanhar de Beatriz Gosta (a tal dos vídeos no YouTube, mas aqui enquanto M7, o seu nome de MC) e das ilustrações ao vivo de Vítor Ferreira. Um bom momento, a provar que tudo se pode encaixar bem no FMM e neste rótulo de músicas do mundo.
Os mais resistentes ainda aguentaram até ao nascer do dia para Awesome Tapes From Africa, o projecto do DJ e etnomusicólogo norte-americano Brian Shimkovitz, a fechar o palco da praia.
Antes dele, Alo Wala, que participou no último disco dos Buraka Som Sistema, deu-nos combustível com uma combinação de géneros, do hip hop aos ritmos latinos, que mereceu comparações festivas a M.I.A. Tudo o que precisávamos para acabar em grande o festival e, afinal, quem tinha razão era a outra: a gente diverte-se imenso.