Pulseiras munidas de uma chapa com “numeração alfanumérica”, atadas ao pulso, que permitem à polícia devolver aos pais qualquer criança extraviada o mais depressa possível — é esta a filosofia do programa “Estou Aqui”, uma iniciativa da PSP patrocinada pela MEO, a Secretaria de Estado da Administração Interna (MAI) e outras entidades. E o sucesso da iniciativa é tal que as 50 mil primeiras pulseiras de 2015 já esgotaram e há mais 45 mil a caminho, estando o sistema em funcionamento até Dezembro.
Quanto a resultados, os responsáveis confessam que foram “resgatadas” duas crianças, uma na Manta Rota e outra na Costa da Caparica. Em três anos.
Às vezes fico a olhar para estas coisas e começo a perguntar-me se está toda a gente louca ou se sou eu que não estou a ver bem! Bem-intencionada, certamente, mas louca. E depois assusto-me.
Não me entendam mal nem me levem a mal. Perder um filho na praia, num centro comercial ou num parque é uma experiência aterradora. Mais ainda, é uma experiência que acontece aos mais cuidadosos dos pais, porque nos distraímos por uma fracção de segundo, o suficiente para que um deles se escape. Já para não falar naquela cena típica do pai que julga que o filho está com a mãe e a mãe está segura de que está com o pai. Sustos tão antigos, aliás, que até Nossa Senhora e São José passaram por eles, quando o Menino Jesus lhes trocou as voltas e desapareceu para falar aos doutores do Templo.
As crianças perdem-se, portanto. Mas não muito, e sobretudo não por muito tempo, encontradas ou devolvidas pelo simpático vizinho da barraca ao lado ou outro adulto que as viu longe da família. Mais tempo, mais longe, são dois, como indicam os números da própria PSP!
Contudo, se a realidade é esta, para quê fazer um programa que, ainda por cima, segundo revela o “Expresso”, citando fonte da polícia, custa milhares de euros? Para que as crianças andem com uma pulseira com logo de várias marcas? Talvez, mas aquilo que os pais entendem de tudo isto é que as autoridades consideram provável que as crianças se extraviem, que acham que, à cautela, mais vale terem uma placa com um código no pulso que permite saber quem são os seus pais, não vá aparecerem na esquadra cinco ou seis ao mesmo tempo a reclamá-la.
O que os pais entendem é que há mais uma razão para ter medo. Este tipo de operações parecem legitimar a ideia de que todas as crianças estão em grande perigo, que toda a vigilância é pouca para as manter em segurança, fora das garras dos pedófilos e outras criaturas de malvadas intenções que andam por aí à cata de meninos para roubar. E mesmo uma ideia falsa, quando repetida à exaustão, torna-se verdadeira. Porque a verdade é que este mundo perigoso não corresponde, felizmente, à realidade. Quanto a crianças perdidas ao ponto de ser precisa a intervenção da polícia, estamos conversados. Quanto a crianças desaparecidas, mesmo desaparecidas, o pesadelo dos pesadelos, sabe quantas estão na lista de desaparecidos da PJ, que pode consultar na internet? Zero em 2015, zero em 2014, zero em 2013, e o caso mais recente que ali surge é o da tristemente célebre Madeleine McCann.
Há mais “desaparecimentos” de crianças pequenas em Portugal raptadas pelos próprios pais, no contexto de divórcios litigiosos. Quanto a pedófilos e abusadores, entende-se o receio, mas é bom ter em mente que mais de 95% deste tipo de crimes são perpetrados por alguém da família próxima.
Mas faz diferença que as crianças usem pulseiras para o caso de se perderem? Por acaso, faz. Como discutia com Eduardo Sá, num dos nossos “Dias do Avesso”, na Antena 1, o medo contagia-se, e não queremos crianças desconfiadas de todos os seres humanos que as rodeiam, impedindo-as de fazer exactamente aquilo de que precisam, que é falar com um estranho! Mais ainda, porque filhos vigiados e controlados à exaustão, sem qualquer autonomia, não crescem. Não se tornam independentes e capazes de se fazer à vida. Desresponsabilizam-se de tomar conta de si mesmos.
É claro que é difícil para os pais (e para os avós) engolir os seus fantasmas e deixar os filhos ir até ao fundo da rua comprar um gelado, brincar com os amigos na praia ou na piscina, aceitar que não os podem proteger de todo o mal que um dia, eventualmente, lhes pode acontecer. Mas é para isso que somos adultos.
Jornalista e escritora
Escreve ao sábado