Ângela Filipe é presidente da Comissão Administrativa Provisória (CAP), o órgão que deveria dar lugar a uma direcção efectiva do novo agrupamento de escolas de Grândola. Em Maio do ano passado, a dirigente foi precisamente uma das duas candidatas ao lugar, tendo vencido o concurso com 15 votos em 21 possíveis. Mas o “projecto de intervenção” que apresentou tinha um problema: das 27 páginas que compõem o documento, pelo menos dez são cópia literal de um outro projecto, apresentado por uma candidata ao mesmo lugar, mas no agrupamento de escolas Monte da Lua, em Sintra. Consequência? Ângela Filipe mantém-se em funções.
O secretário de Estado João Granjo, com o pelouro do Ensino Básico e Secundário, demitiu-se em Outubro do ano passado. O pedido foi apresentado a Nuno Crato logo depois de serem publicadas notícias que davam conta de um plágio numa intervenção num seminário, quando o responsável político ainda era presidente da Associação Nacional de Professores. Mas nem sempre esse motivo é suficiente para que os autores da infracção sejam afastados.
Em Grândola, além de Ângela Filipe, apenas outra candidata se apresentou ao lugar de futura presidente do recentemente formado agrupamento de escolas do concelho: Susana Camacho, vice-presidente do agrupamento de escolas de Santiago do Cacém. Foi, de resto, esta “adversária” de Ângela Filipe no concurso uma das duas pessoas a chamar a atenção da Inspecção-Geral de Educação e Ciência e da Direcção-Geral da Administração Escolar (DGAE) para o possível plágio. A outra denúncia partiu de um elemento do Conselho Geral. O alerta foi depois feito junto do Conselho Geral Transitório (o órgão responsável pela escolha da futura direcção do agrupamento escolar).
Inspectora confirmou o plágio, mas sugeriu um arquivamento do caso sem sanções
Meio plágio A análise do caso foi entregue à inspectora Maria Emília Monteiro, da equipa disciplinar Sul, em Julho do ano passado. A ordem para que fosse aberto um inquérito veio directamente do director-geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). E, no relatório final da inspectora, a que o i teve acesso, a conclusão é clara: “Confrontado o projecto apresentado por Ângela Filipe com o projecto apresentado, em Sintra, por Maria de Lourdes Cabral Mendonça, verifica-se que o primeiro contém partes que constituem cópia de partes deste último projecto”, sustenta o documento, de 9 de Fevereiro deste ano.
A confirmação de que o documento de Sintra tinha servido de “inspiração”, acabando plagiado, foi feita pela própria presidente do CAP – e candidata à direcção do agrupamento. Ouvida como testemunha por Maria Emília Monteiro, Ângela Filipe admitiu ter-se “identificado” com o projecto do Monte da Lua. “Reconheço que a falta de tempo (…) não me permitiu rever a contextualização”, começa por referir a dirigente, acrescentando considerar “importante clarificar que das acções definidas no projecto de intervenção, incluídas nas 20 de 27 páginas, cerca de metade são específicas do agrupamento de escolas de Grândola”. Por outras palavras, quando é chamada a apresentar a sua defesa, Ângela Filipe sublinha que apenas dez das 20 páginas visadas na acusação de plágio foram retiradas da versão original. Seria, eventualmente, um meio plágio, quando comparado com a acusação inicial.
Proposta: arquivar Enquanto decorria essa inquirição de testemunhas para o inquérito da DGEstE, o Ministério Público de Grândola (onde tinha sido apresentada uma denúncia por alegados crimes de usurpação e contrafacção do projecto de Sintra) considera não haver matéria criminal e arquiva o processo. Por essa razão, a inspectora propõe o arquivamento do inquérito, considerando não terem sido encontrados “indícios da prática de ilícito disciplinar”.
Na queixa apresentada no MP, a que o i teve acesso, lê-se que, em 2009, na candidatura à direcção da escola secundária de António Inácio da Cruz (que Ângela Filipe venceu), a docente ter-se–á igualmente apresentado com um “projecto de intervenção” em que se identificavam “cópias integrais de partes de texto e diversos conteúdos adaptados do Plano Estratégico elaborado pela Escola Secundária Severim de Faria, Évora, em 2007”.
Para a inspectora Maria Emília Monteiro, a não homologação do concurso inicial representava uma pena suficiente elevada para a autora do plágio. Assim, e apesar de quer a inspectora quer a presidente da Comissão Administrativa Provisória reconhecerem a existência de plágio, Ângela Filipe (ex-vereadora do PS em Grândola) manteve-se em funções. Segundo a própria, isso também foi possível porque a Delegação Regional de Educação do Alentejo não aceitou os pedidos de demissão que terá apresentado. Aquele órgão terá mesmo “insistido” para que a dirigente se mantivesse em funções.
A própria inspectora responsável pelo caso assume em mãos a defesa de Ângela Filipe. No relatório final, Maria Emília Monteiro chama a atenção para o facto de “a candidata Ângela Filipe, enquanto presidente da Comissão Administrativa Provisória, [ter tido] a seu cargo, no ano lectivo em que se realizaram as eleições, um trabalho acrescido, muito exigente e absorvente, que resultou na fusão do Agrupamento Vertical de Escolas de Grândola com a Escola Secundária do mesmo concelho”. A inspectora ainda acrescenta que a dirigente “tem dedicado a sua vida profissional e muito da sua vida pessoal aos alunos, à escola e à comunidade, tendo sempre em vista a melhoria da prestação do sistema educativo”.
“A decisão de não homologação do resultado da eleição para o cargo de director do agrupamentode escolas de Grândola […] em nada colide com o desempenho das funções de presidente da Comissão Administrativa Provisória […] dado tratar-se de situações distintase autónomas” – Ministério da Educação
Em respostas às questões colocadas pelo i, o Ministério da Educação valida a linha proposta pela inspectora Maria Emília Monteiro. “A decisão de não homologação do resultado da eleição para o cargo de director do agrupamento de escolas de Grândola” – que o secretário de Estado da Administração Escolar já tinha considerado válida – “e o indeferimento do recurso hierárquico subsequente em nada colide com o desempenho das funções de Presidente da CAP do referido agrupamento, por parte da Dra. Maria Ângela dos Santos Filipe, dado tratarem-se de situações distintas e autónomas”, refere o MEC.
Ao mesmo tempo, o ministério ressalva que a manutenção de Ângela Filipe à frente da gestão do megagrupamento “decorre de uma decisão da DGEstE”. Para todos os efeitos, aquele organismo considera que o plágio foi razão suficiente para não validar a vitória da presidente da CAP, mas não justifica que a dirigente seja afastada do órgão que, há mais de um ano, gere provisoriamente toda a actividade escolar.
De volta à estaca zero Mas a manutenção de Ângela Filipe em funções gerou incómodo no agrupamento. De tal forma que um grupo de docentes elaborou e subscreveu um abaixo-assinado, datado de 1 de Março deste ano. Nesse texto, os docentes mostram-se “preocupados e insatisfeitos” com o que consideram ser “uma degradação progressiva do clima e da qualidade da vida organizacional” do agrupamento escolar.
Os professores (um grupo de dez, numa comunidade de mais de uma centena) diziam ter acreditado que “a candidata não homologada, simultaneamente, presidente da Comissão Administrativa Provisória do agrupamento iria, de imediato, apresentar o seu pedido de demissão do cargo que ocupava, em nome da salvaguarda do interesse público na educação, em particular da idoneidade pessoal de que um/a candidato/a ao cargo de director e principal responsável pelo órgão de gestão deve, inequivocamente, dar provas”. Tal não aconteceu. O mesmo texto apelava à intervenção do Ministério da Educação e o afastamento do Conselho Geral Transitório (CGT), acabando por constatar que esse órgão já teria retomado o processo para a escolha da nova direcção.
E isso, de facto, aconteceu. Mas poucos dias após a publicação da nova abertura do concurso em Diário da República, o CGT anula a decisão anterior, alegadamente por “erros” no diploma, apurou o i. Finalmente, novo concurso, já no final de Junho, e, findos os prazos de candidatura, apenas um nome: Vítor Manuel Pinto Fernandes, docente do agrupamento de escolas de Grândola. Tudo parecia indicar que a ausência de órgãos eleitos estaria sanada – mais de um ano depois do início do problema –, mas ainda não. Três dias depois (a 2 de Julho), uma nota da Comissão Especializada do Conselho Geral de Escolas de Grândola dá conta de que o único candidato ao cargo “não pode ser admitido”. Razão? Falta de percurso profissional que o habilitasse ao exercício das funções. Quando aquele órgão se preparava para analisar o currículo – e depois de constatar que as responsabilidades dirigentes exercidas até ao momento eram insuficientes para assumir a direcção do agrupamento –, Vítor Fernandes antecipou-se e retirou a candidatura, deixando a responsabilidade da condução dos destinos das escolas de Grândola novamente nas mãos de Ângela Filipe.
O i contactou quer a presidente da Comissão Administrativa Provisória, quer Maria José Mariano, presidente do Conselho Geral Transitório (que se considerou incompetente para avaliar o alegado plágio, merecendo, com isso, um “puxão de orelhas” da DGAE). Ambas se mostraram indisponíveis para falar sobre o caso.